Oliver Röpke não é apenas um sindicalista austríaco. Desde março de 2019 lidera o Grupo dos Trabalhadores — o Grupo II — no Comité Económico e Social Europeu (CESE), um órgão ao nível da Concertação Social que serve para levar a realidade dos empresários, trabalhadores e associações às decisões tomadas em Bruxelas.

Com mais de duas décadas ligadas ao sindicalismo na Áustria, Röpke acredita que ainda há muito para fazer para que os países europeus cheguem a uma convergência — o que não significa que os salários portugueses sejam iguais aos alemães.

Da Cimeira Social do Porto à necessidade de abrir uma frente social no Pacto Ecológico Europeu, Oliver Röpke falou ao SAPO24, em Bruxelas, sobre direitos laborais, o papel do CESE no processo europeu — e o real poder para, no meio de discussões polarizadas, melhorar a vida dos trabalhadores, estejam eles em Viena ou em Odemira.

Temos um enorme número de trabalhadores que não sabem como chegar ao final do mês.

Como pode haver nos países do rico e poderoso continente europeu pessoas a trabalhar a tempo inteiro e, ainda assim, pobres?

Essa é não apenas uma boa pergunta, como também uma questão que me deixa triste. Porque mostra como a Europa ainda não cumpriu as suas promessas com todo o seu povo. As pessoas em toda a Europa deviam viver com dignidade e com salários decentes que permitam aos trabalhadores e às famílias viver decentemente do seu trabalho. Como referiu, não é isso que está a acontecer neste momento: temos um enorme número de trabalhadores que não sabem como chegar ao final do mês e ainda temos um grande número de pessoas com salários abaixo do limiar da pobreza — isto é inaceitável.

É por isso que, há anos, os sindicatos europeus reivindicam ações, exigem ação europeia. E mesmo sabendo que as competências são limitadas, diria que pelo menos tivemos já as primeiras histórias de sucesso, porque a Comissão Europeia já pegou nas nossas reivindicações, a começar pelo Pilar Europeu dos Direitos Sociais, com a declaração a ser um primeiro passo; e, depois, para o tornar mais vinculável, um plano de ação; isto teve ainda o patrocínio político de todos os Estados-Membros, todas as instituições [europeias] e dos parceiros sociais na Cimeira Social do Porto, incluindo o Comité Económico e Social Europeu.

As regras na Europa e no Mercado Comum ainda favorecem uma competição injusta nos salários e nas condições de trabalho.

O que atravanca o processo? O que está a impedir as empresas de pagar mais aos trabalhadores?

Diria que há duas coisas: primeiro, as nossas regras na Europa e no Mercado Comum ainda favorecem uma competição injusta nos salários e nas condições de trabalho. E isto não é apenas injustiça social, é também, injusto para as empresas. Por isso, o princípio a aplicar devia ser sempre o do mesmo salário para o mesmo trabalho e o mesmo posto de trabalho — isto é importante. Não é dizer que teremos um salário mínimo único e geral para todos os trabalhadores da Europa, estamos longe disso, mas temos de ter este princípio em conta.

E quando me pergunta o que nos está a travar [a subida dos salários], diria que é certamente uma falta de motivação que vem de há muito e também aquele argumento da falta de competências.

Agora, a Comissão Europeia mostra que se houver vontade política, é possível concretizar. Creio que a pressão dos sindicatos — e do Grupo dos Trabalhadores, aqui no CESE, foi um dos elementos chave para a Comissão mudar a sua posição, começando já com Jean-Claude Juncker, que fez grandes alterações e disse que as políticas, especialmente após a crise financeira e económica, eram desequilibradas e que era necessário encontrar um equilíbrio e reforçar o Pilar Social.

Recentemente, também com uma proposta concreta como a Diretiva do Salário Mínimo: caso seja adotado, creio que será um grande passo, um passo que mostra que a Europa assume a sua responsabilidade, não deixando os assuntos sociais apenas para os Estados-Membros. Deixar a responsabilidade social apenas nas mãos dos países seria o caminho errado, creio. A forma correta é definir padrões mínimos comuns e, especialmente, reforçar a negociação coletiva e o papel dos parceiros sociais na definição dos salários. O que temos visto nos últimos anos é um declínio na cobertura da negociação coletiva, por vezes até um desmantelamento do diálogo social e dos sistemas de deliberação dos ordenados.

Estamos a andar noutro sentido agora e acho que é o sentido certo.

Alguma vez será possível a um trabalhador português, em Portugal, receber o mesmo salário, para a mesma função, que um trabalhador alemão, na Alemanha?

Bom, claro que isso seria desejável. Mas diria para começarmos pelo princípio de uma convergência social e salarial ascendente, passo a passo. Não podemos permitir os fossos que existem entre Estados-Membros — que agora até estão a aumentar e não a diminuir. O alargamento da distância tem acontecido nos últimos anos entre os países do Norte e do Sul, mas também Oeste e Leste. Este desenvolvimento tem de ser travado e revertido. Porque isto não é apenas uma questão de definição de salários, é também de desenvolvimento económico.

Neste caso, temos de insistir para que a Europa desempenhe um papel ainda mais ativo para garantir essa convergência social e económica na união. Creio que os fundos do NextGenerationEU e os orçamentos de longo prazo dão os passos certos no tempo certo e na direção certa — mas temos de continuar e temos de garantir que os países que ainda estão um pouco atrasados podem acelerar também o desenvolvimento económico.

Espero que, assim, cheguemos a um nível onde também os trabalhadores portugueses possam alcançar e receber salários decentes, que talvez não sejam iguais, mas equivalentes aos salários de outros países da Europa Ocidental.

Mas já que fala no caso português, devo dizer que, tanto quanto sei, os sindicatos de Portugal são muito ativos; muito ativos para encontrar melhorias concretas, mesmo no curto prazo, para os trabalhadores portugueses.

É sempre possível atrair trabalhadores se oferecermos empregos decentes.

Olhando para Portugal — embora talvez seja uma questão transversal na Europa ou no mundo ocidental —, as empresas estão a queixar-se de que há falta de trabalhadores. Que trabalhadores são estes que faltam? É gente com vontade de trabalhar, ou pessoas dispostas a aceitar as condições oferecidas?

Acho que se trata, definitivamente, da segunda opção. É fácil vê-lo, por exemplo, no Reino Unido, onde também faltam trabalhadores — mas apenas por causa do Brexit, por causa das condições para os trabalhadores, sobretudo os que são de fora do país.

É sempre possível atrair trabalhadores se oferecermos empregos decentes com salários decentes e com condições de vida e de trabalho também elas decentes. É claro que há outros elementos chave como a qualificação e formação — tudo isto é importante. Mas, em última análise, não acho que tenhamos uma carência de mão de obra. Diria antes que temos uma incompatibilidade entre a oferta de mão de obra e bons locais de trabalho. Para ser muito honesto, por que razão deve alguém aceitar um emprego com um salário de pobreza?

Nesta questão da mão de obra estrangeira, temos ainda a chegada de trabalhadores de África e da Ásia que vêm para países como Portugal, onde recentemente foram reveladas as condições “sub-humanas” em que vivem e trabalham. Como é que se equilibra o discurso de que “os estrangeiros vêm roubar os nossos empregos” com a prevenção de que as pessoas que chegam sejam sujeitas a estas condições?

Do ponto de vista de um sindicato, a resposta é muito simples: como disse antes, temos de definir padrões mínimos que sejam elevados e ambiciosos no que diz respeito aos salários e às condições de trabalho — e temos de garantir que todos os trabalhadores têm acesso a esses padrões. Se os patrões não respeitarem a negociação coletiva, esses padrões mínimos, têm, antes de tudo, de ser controlados e punidos ou multados para prevenirmos que as empresas tenham essas práticas injustas, para impedirmos esse ‘dumping’ social. Este é o primeiro passo.

Isto não se passa apenas em Portugal, quando nos juntámos à União Europeia [em 1995], tivemos a mesma discussão na Áustria, com acordos de transição. Voltámos a tê-la quando houve [em 2004 e 2007] um alargamento com uma onda de países da Europa Central e de Leste, nessa altura tivemos também períodos de transição para a livre circulação de trabalhadores, para garantir que o nosso mercado de trabalho estava preparado para oferecer salários e empregos decentes a quem vinha de fora e também para termos uma certa convergência no desenvolvimento dos salários dos países de origem.

Porque no fundo, e este é o meu apelo para uma maior convergência social e económica na Europa. Nós ainda enfrentamos grandes fossos entre os Estados-membros no que diz respeito aos salários que nem os melhores controlos conseguem ultrapassar, estes vão sempre ser explorados pelas empresas para fazer ‘dumping’ social. Não há, por isso, alternativa a uma convergência salarial ascendente.

Nenhum negócio deve assentar em trabalhadores pobres.

No próximo ano, o salário mínimo em Portugal sobe para os 705 euros. As pessoas terão na conta menos do que isso. O que diria a um trabalhador nesta situação sobre aquilo que está a ser feito por ele aqui em Bruxelas?

Penso que a iniciativa da diretiva por um salário mínimo deve ser um primeiro passo importante. O que dizemos nessa diretiva? Dizemos que os Estados-Membros devem garantir que os trabalhadores recebem salários mínimos decentes — e são definidos alguns indicadores: por exemplo, o salário mínimo deve corresponder a 50% do salário médio, ou a 60% do salário mediano, o que pode ser um indicador do que é, naquele país, um salário decente. Esta pode ser uma motivação e um bom argumento para aumentar os salários.

Outro ponto, talvez até mais importante, é que pelo menos 70% — e o Parlamento Europeu até pedia 80% — de todos os trabalhadores deve estar abrangido por negociação coletiva. Isto não é o que acontece na maioria dos países; nesta altura, na União Europeia, apenas dois em cada cinco trabalhadores, ou seja, 40%, é abrangido por contratos coletivos. Acho mesmo que esta é a chave desta diretiva, porque aumentar a capacidade de negociação coletiva vai levar a salários mais elevados, porque é aquilo a que assistimos em todos os países onde há uma grande taxa de negociação coletiva: os salários são mais altos, a produtividade é maior, a consulta de informação e a participação dos trabalhadores e dos representantes são melhores. Por isso, acho que esta seria o elemento fulcral a alcançar — e isto pode ser útil tanto no curto como no médio prazo, também para os trabalhadores portugueses.

Arquivo créditos: EU/DR

O que diria a um pequeno empresário, que já está a lidar com o aumento dos preços da energia, das matérias primas e da logística? Como aumentar os salários sem aumentar ou modernizar a produtividade?

Diria duas coisas: em primeiro lugar, a União Europeia nunca vai ditar ou sequer dar instruções para as políticas salariais das empresas ou setores; esta é, sem dúvida, uma competência dos parceiros sociais e dos Estados-Membros. Aquilo que Bruxelas tenta alcançar com esta diretiva é prevenir os trabalhadores pobres.

Nenhum negócio deve assentar em trabalhadores pobres, porque isso, no fim de contas, é a exploração dos trabalhadores. Isto não é um modelo de negócio sustentável, nem sequer para as startups. Por isso, cabe aos governos garantir que há outros instrumentos para que as empresas consideradas importantes possam lidar com esta situação, mas não à custa dos trabalhadores.

A segunda questão aqui é que se os empresários defendem que salários mais elevados vão prejudicar a sua competitividade, temos, claro, de ter em conta que, em caso de crise, como a que tivemos e ainda temos, os cortes salariais e as baixas remunerações desestabilizaram todo o sistema macroeconómico — foi o que vimos após a crise económico-financeira: os cortes nos salários e nas prestações sociais acabaram por ser o pior que podia ter sido feito, porque afetaram o poder de compra e, por consequência, a procura. Foi realmente apenas uma solução para o curto prazo, mas não foi algo com uma visão de futuro inteligente.

Mas ainda agora a OCDE veio já avisar que o aumento do salário mínimo em Portugal pode levar ao aumento do desemprego… É preciso ouvir a OCDE?

Claro que é, claro que sim. Aliás, sei que durante a crise financeira a OCDE teve por vezes boas sugestões, melhores até que as que foram feitas pela Troika. Claro que temos de os escutar, mas a minha experiência diz que um aumento — e aquilo que vejo em Portugal neste momento é plano para um aumento moderado dos salários mínimos — não vai afetar nem o emprego, nem a competitividade.

Pudemos vê-lo na Alemanha, onde o aumento foi ainda maior, e onde houve muito medo e muitas previsões de que seria prejudicial para o emprego e assim… aconteceu o oposto. Por isso, confio nos portugueses. Se o atual governo e os parceiros sociais encontrarem uma solução com que concordem para aumentar o salário mínimo, esse será o caminho equilibrado para Portugal.

Há umas semanas, Portugal foi notícia por ter avançado com legislação para proibir os patrões de contactar os empregados após o horário de trabalho. Por causa da pandemia, foram também decididas medidas que obrigam os empregadores a pagar as despesas que os empregados tenham no teletrabalho. Estas discussões também estão a acontecer noutros países europeus?

Estão, sim. Temos um debate do género em vários países, embora em muitos deles ainda não tenham sido tomadas decisões. Estive recentemente em Chipre, por exemplo, onde também a questão do teletrabalho — as condições para o teletrabalho, quem paga o quê, quais as regras — está a ser discutida com os parceiros sociais. É uma conversa que está a acontecer e penso que temos de adaptar as nossas regras atuais, porque elas não são adequadas a este propósito.

A iniciativa portuguesa é, por isso, diria, não apenas muito interessante, mas também muito bem-vinda, impondo o primeiro passo para assumir este direito a desligar e a estabelecer limites — porque, no fim de contas, trata-se de definir limites e padrões mínimos. Mesmo sem conhecer todos os detalhes, acho que a iniciativa portuguesa é, no geral, o caminho certo.

Deve ficar claro que o aumento dos gastos com o teletrabalho deve ser refletido na remuneração dos trabalhadores.

Como olha para o teletrabalho, para os desafios que levanta aos sindicatos e aos trabalhadores?

Primeiro que tudo, é uma realidade. É hoje uma realidade e não podemos, nem vamos querer andar para trás e dizer que não deve ser permitido. Porém, como disse antes, há que estabelecer limites claros e condições para o teletrabalho. Temos de garantir que não vamos regressar aos anos 20 do século passado, ou mesmo antes, onde as pessoas trabalhavam a partir de casa de uma forma exploradora. Este não é de todo o caminho; se assim fosse, seria totalmente contra esta visão do terrível. Mas se pudermos estabelecer limites claros, condições claras, penso que o teletrabalho é uma realidade e que a temos de usar.

Podemos vê-lo também nas nossas instituições ao nível europeu; só com os novos meios eletrónicos e ferramentas de comunicação foi possível permanecer operacional, continuar com o nosso trabalho enquanto sindicatos. Por isso, lá está, é importante mais uma vez ter regras claras — e, creio, flexibilidade, ou seja, não apenas ter em conta as necessidades das empresas mas também, em igual medida, as reivindicações dos trabalhadores.

Vê como positivo que as empresas sejam forçadas a pagar o excesso de eletricidade gasta pelos trabalhadores em casa, as cadeiras, as secretárias?

Absolutamente, absolutamente. De outra forma, [o teletrabalho] seria apenas um instrumento para reduzir os custos [das empresas] e para retirar as pessoas dos locais de trabalho, passando isso a ser de alguma forma um modelo de negócio — sou totalmente contra isto. Deve ficar claro que o aumento dos gastos para os trabalhadores deve ser refletido na remuneração; também sabemos que algumas empresas tentam pagar menos pelas suas instalações, ou pelo arrendamento de espaços, mandando os trabalhadores para casa. Isto assim é demasiado fácil. Deve haver sempre um acordo entre trabalhadores e empresas, tendo em consideração a vida privada e as necessidades profissionais.

E quando acontece ao contrário, quando são as empresas a vedar a possibilidade de teletrabalho, forçando o trabalho presencial?

Não lhe chamaria forçar — mas, mais uma vez, temos de ser flexíveis, diria mesmo, ter mecanismos flexíveis. Penso que não há uma única solução que assente em todos os casos, depende muito das diferentes empresas e das necessidades quer do trabalho, quer dos trabalhadores. Mas, no fim, vamos é garantir que os parceiros sociais podem negociar as condições do teletrabalho — e, claro, como acontece agora, as condições de trabalho na empresa para quem faz trabalho presencial. Envolver os parceiros sociais é a melhor forma de chegar a soluções equilibradas: por isso, envolvam os sindicatos, envolvam as comissões de trabalhadores (caso existam) e deixem-nos negociar soluções equilibradas com os patrões e os restantes parceiros sociais.

Arquivo créditos: EU/DR

E quanto às pessoas que trabalham para plataformas digitais, o que está a ser feito em Bruxelas para quem trabalha para Uber, Bolt, etc…?

Esta entrevista está a acontecer numa boa altura porque estamos hoje [9 de dezembro] à espera da proposta da Comissão, uma iniciativa sobre o trabalho das plataformas digitais. Aquilo que temos visto nos últimos tempos é, diria, uma situação de remendos. São muitas decisões remendadas em diferentes países com os tribunais muitas vezes a considerar os chamados trabalhadores das plataformas como empregados normais, embora sem os direitos devidos pelos patrões. Eram considerados trabalhadores independentes, ou de uma terceira categoria. Mas na maioria dos casos decididos em tribunal, ficou claro que cumpriam todas as condições para serem trabalhadores normais e para terem acesso à lei laboral e aos respetivos direitos laborais.

Esperamos que a Comissão clarifique isto e que garanta que os trabalhadores das plataformas têm exatamente os mesmos direitos que os demais, incluindo direitos coletivos. É disso que estamos à espera; o que pedimos é que a Europa decida um enquadramento que depois cada país possa adaptar à medida da sua realidade. O Grupo II pediu recentemente um estudo onde delineámos as possibilidades e como chegámos a um conceito do trabalhador a um nível europeu, também, para os trabalhadores das plataformas. Por isso, é possível fazê-lo, a Europa deve fazê-lo e, espero, a proposta da Comissão será muito avança e ambiciosa.

Como é trabalhar aqui em Bruxelas, o que fazem no CESE — e de que forma isso se nota nas diretivas europeias e na legislação dos Estados-Membros?

Enquanto Grupo II, consideramo-nos parte da família dos sindicatos europeus, por vezes dizemos que somos o seu lado institucional, porque a grande maioria dos membros do grupo dos trabalhadores no CESE está ligada à Confederação Europeia de Sindicatos ou afiliados, mas temos também alguns colegas de outras organizações sindicais. Tentamos reforçar as reivindicações dos sindicatos aqui no CESE — sabendo que, no final, o objetivo é encontrar compromissos e um grande consenso entre os três grupos representados [patrões, trabalhadores e setor social/ONG].

Ou seja, as opiniões que saem do CESE podem não ser sempre a opinião dos sindicatos, ou a visão dos sindicatos; porém, quando olho para o passado recente, creio que as nossas opiniões têm apoiado bastante os movimentos sindicais, lutando por um pilar social mais forte e por uma política social mais ativa na Comissão Europeia. Conseguimos sempre reunir uma maioria a defender que a Europa não deve recuar na política social, pelo contrário, deve ser mais ativa e implementar os objetivos do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, também a através de legislação vinculativa.

Nesta perspetiva, creio que podemos ser bastante úteis e, diria, a nossa força é a cooperação e o possível impacto [do trabalho do CESE] noutras instituições [europeias], especialmente a Comissão e o Parlamento Europeu.

A confiança na Europa será minada se Bruxelas não melhorar a situação dos trabalhadores com medidas concretas.

O combate entre os grupos dos trabalhadores e dos patrões é uma guerra política? Trata-se de esquerda contra direita com o terceiro grupo a assistir?

Não, não é isso que acontece aqui no plenário do CESE. Não temos grupos políticos na aceção de grupos partidários. Temos diferentes intervenientes: negócios, trabalhadores e os vários grupos de interesse. É um pouco como na Confederação Europeia de Sindicatos, onde há também um amplo leque de organizações sindicais, com diferentes posições políticas. Mas aquilo que nos une é na verdade a luta por uma Europa social mais forte para os direitos dos trabalhadores — e isso é muito mais importante que quaisquer diferenças ideológicas. No grupo dos trabalhadores, no geral, devo dizer, que somos muito unidos e consideramo-nos um grupo progressivo, parte da família progressiva, que quer mudar a situação e melhorar a situação dos trabalhadores.

Num mundo com tantas polarizações, é difícil encontrar consenso quando discutem com os outros grupos do CESE?

Sim, torna-se mais e mais difícil, para ser muito honesto. Creio que uma das razões está no papel cada vez mais ativo da Comissão Europeia em políticas sociais; porque dantes a Europa tinha um lugar mais passivo, fazia recomendações, quase-direito, e, claro, algumas diretivas. Agora, creio que a União Europeia, a Comissão, percebeu que a confiança dos trabalhadores na Europa será minada se não melhorarem a situação dos cidadãos que trabalham com medidas concretas, tangíveis. Por isso, as iniciativas da Comissão são muito mais concretas e fortes que há dez ou quinze anos. E isto, claro, cria alguma resistência e oposição, sobretudo do grupo dos empregadores, o que torna [o consenso] mais difícil.

Temos cada vez mais uma oposição fundamental do grupo dos empregadores perante algumas propostas da Comissão, como, por exemplo, o salário mínimo, mas também a transparência salarial — os patrões estiveram contra a proposta da Comissão e foi difícil encontrar um consenso. Nalguns casos, o grupo dos empregadores apresentou mesmo uma contra-opinião, que acabou por não ter apoio no plenário, mas até isto pode acontecer.

Como vê a transição energética e o caminho para uma economia verde? Como é que isso afeta os trabalhadores das indústrias do carvão, das refinarias… Quem paga a formação para que mudem de atividade, por exemplo?

Acho que sabe que a questão é muito mais complexa e global. Este é, diria mesmo, o maior desafio que a Europa está a atravessar — para além da pandemia, claro —, esta grande transição, que vai mudar todo o sistema industrial na União Europeia. Temos de ser muito cautelosos e seguir os objetivos ambiciosos. Temos de nos agarrar a esses objetivos e apoiar o Pacto Ecológico Europeu — o grupo dos trabalhadores está a fazê-lo. Mas alertámos que o Pacto Ecológico apenas terá sucesso de for também um pacto social.

A requalificação dos trabalhadores é uma das medidas previstas, mas não é de todo suficiente. Precisamos de uma abordagem muito mais política, com uma espécie de mapeamento do emprego e um mapeamento industrial em toda a Europa: que países, e, em concreto, que regiões são mais afetadas — porque nem todas as regiões vão ser afetadas da mesma forma e não podemos permitir que as regiões mais afetadas fiquem sozinhas. Por isso, precisamos mesmo de mapear e de alinhar o Pacto Ecológico com uma verdadeira política europeia para a indústria, porque não queremos perder esses postos de trabalho muitas vezes bem pagos e muito produtivos. Precisamos, para isso, do apoio dos Estados-Membros para gerir esta transição.

Só se os trabalhadores estiverem também no quadro dirigente podemos gerir a transição energética e torná-la mais justa.

E quando falo num mapeamento, acrescento também que precisamos de mapear o emprego, porque mesmo que requalifiquemos as pessoas, que melhoremos a sua formação, isto pode não ser suficiente para que consigam um novo emprego — que pode ser um trabalho completamente diferente, com salário mais baixo, etc. Ao mesmo tempo, temos de garantir que mantemos a nossa base industrial.

Por isso, a minha resposta é esta: sei que é muito difícil e muito complexo, mas posso dizer que o que está agora em cima da mesa, também com o pacote legislativo “Fit for 55”, não é suficiente. Não estamos satisfeitos com as propostas da Comissão — há muitas palavras, mas apenas um punhado de ações. Precisamos de fazer deste Pacto Ecológico um pacto social. É que, por exemplo, não há nada sobre uma maior participação dos trabalhadores e nós sempre dissemos que esse é um pré-requisito para este processo de transformação, que os trabalhadores tenham uma voz, obrigatória para informação e consulta, mas também direitos de participação mais abrangentes e representação na gestão — só se os trabalhadores estiverem também no quadro dirigente podemos gerir esta transição e torná-la mais justa.

Leia também:

Que mãos faltam às empresas — e que patrões faltam aos trabalhadores?

Ministra do Trabalho: "Se bem me lembro, entre 2011 e 2015, o salário mínimo em Portugal aumentou 20 euros"