A normalidade possível
Tenho recorrido ao termo algumas vezes nos últimos dias: a normalidade possível. Hoje foi a vez da Diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, fazer uso dele. Na conferência de imprensa de balanço da situação epidemiológica em Portugal disse que os valores da curva de casos — a tal que ia para um pico, que depois passou a planalto e que todos só queremos ver em direção ao vale — começam a delinear um caminho de abertura a uma normalidade, mas é a "normalidade possível".
O que isto significa é que este novo normal terá "muitas alterações face àquilo que era a nossa rotina antes do aparecimento do novo vírus e da doença que originou". Isolamento, distanciamento social, reforço de medidas de higiene das mãos, uso de proteções de barreira e da etiqueta respiratória. "Vamos ter de incorporar isso nas nossas vidas", disse.
Enquanto tomava um café e olhava pela janela de casa reparei hoje que há mais lugares de estacionamento vazios. Poderá não significar grande coisa, mas o facto é que imediatamente me recordei das palavras de ontem à noite de Marcelo Rebelo de Sousa: "Ainda falta o mais difícil. Como diz o povo, nós não queremos morrer na praia". O risco está identificado: se cedermos à tentação de ir com demasiada sede ao pote da normalidade podemos perder o que foi conquistado até agora. É preciso ir com calma.
Hoje foram anunciadas as alterações ao Estado de Emergência, renovado pela segunda vez, e que irá vigorar até 2 de maio. No essencial, Ovar terá a cerca sanitária levantada e o Dia do Trabalhador pode ser celebrado, mas com restrições. Mas enquanto o Governo apresentava as novidades, a notícia que verdadeiramente deu que falar foi outra: os cabeleireiros vão reabrir no início de maio — o facto é que o vírus veio sem aviso, já lá vai mês e meio e trabalhar com cabelo à frente dos olhos não é fácil, dizem-me (curiosamente o alívio veio sobretudo da ala masculina dos meus contactos próximos).
Esta não foi a única conferência de imprensa do Governo hoje, pelo que vale a referência ao anúncio de que o Estado vai alocar 15 milhões de euros para a compra antecipada de espaço para publicidade institucional, como forma de apoiar a comunicação social que viu a sua audiência aumentar, mas as receitas a cair, com menos jornais vendidos em banca e menor disponibilidade dos anunciantes em investir para promover as suas marcas neste tempo de incerteza.
Ainda no que toca a coisas práticas, é de referir que os voos com destino e a partir de Portugal para países fora da União Europeia vão continuar suspensos até 17 de maio; e que o governo decidiu impor um limite máximo de 15% na percentagem de lucro na comercialização de dispositivos médicos e de equipamentos de proteção, bem como do álcool etílico e do gel desinfetante cutâneo de base alcoólica. O preço exorbitante cobrado por este tipo de produtos tem sido notícia ao longo das últimas semanas, pelo que a resposta do Executivo chega na forma de despacho.
Entretanto, e como é já habitual, segue o balanço dos números de hoje do ponto de situação da pandemia em Portugal. O país registou 181 novos casos confirmados de infeção e mais 28 mortes por covid-19. Foi o menor aumento em 24 horas do número de casos confirmados de infeção desde 20 de março. Numa outra nota positiva, o número de casos recuperados aumentou de 493 para 519 (mais 26 casos face a esta quinta-feira).
Lá fora, a Alemanha deu o surto como controlado hoje, já a China corrigiu o seu número total de óbitos (afinal, 1290 mortes ficaram de fora dos relatórios em Wuhan). Nos EUA os números são assustadores: o das mortes, mas também o dos pedidos de desemprego. Em 24 horas morreram 4.491 pessoas por covid-19. Ainda assim Donald Trump anunciou um plano de “reabertura” económica e social para o país, por fases e zonas, mas sem um calendário definido. É importante referir que nas últimas quatro semanas, cerca de 22 milhões de pessoas pediram subsídios de desemprego após as medidas de confinamento adotadas pelo país a meio de março para conter a pandemia de covid-19, segundo números do Departamento do Trabalho. Há um outro país que tem chamado a minha atenção: a Bélgica, com cerca de 11 milhões de habitantes, portanto não muito maior do que Portugal, já registou mais de 5 mil mortes por covid-19.
A título de curiosidade, a nave Soyuz MS-15, com três tripulantes da Estação Espacial Internacional (EEI) a bordo, aterrou hoje com êxito no Cazaquistão. Eles estiveram mais de 200 dias no Espaço. O planeta Terra que deixaram é hoje bem diferente do que aquele que os recebeu. Questiono-me como será essa adaptação.
Nota final para uma despedida que nos apanhou a todos de surpresa: Filipe Duarte faleceu, aos 46 anos, vítima de um enfarte do miocárdio. O ator marcou presença em várias produções para televisão e cinema, sendo uma das mais recentes no filme "Variações" (2019), no qual interpretou o fundador da discoteca Trumps.
Não podia porém desejar-lhe um bom fim de semana sem deixar algumas sugestões:
- A primeira é de uma conferência de imprensa surreal que Donald Trump deu no arranque desta semana e que a Margarida Alpuim esteve a analisar à lupa;
- A segunda é de um retrato do Corvo, uma das ilhas dos Açores que se mantém covid free. Aqui o isolamento — que não é um lugar estranho na vida das gentes — vive-se com tranquilidade. O que fizeram e como o fizeram? É ponto por ponto do Tomás Albino Gomes para ler aqui;
- Por fim, se estiver com vontade, desafio-o/a para uma voltinha em 3D pelas galerias romanas de Lisboa.
O meu nome é Inês F. Alves e hoje o dia foi assim.
- 19:30
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