O SOS da Cultura

Rita Sousa Vieira
Rita Sousa Vieira

A mensagem não veio numa garrafa, apesar do setor se sentir à deriva.

Falemos na Vigília Cultura e Artes, que decorreu hoje um pouco por todo o país e que reuniu dezenas de profissionais do setor.

Com o intuito de dar visibilidade à luta que estão a travar, e sensibilizar o Governo para que apresente soluções que permitam minimizar os impactos negativos da pandemia, em várias cidades (Lisboa, Funchal, Faro, Caldas da Rainha, Setúbal, Almada, Porto, Aveiro, Évora, Vila do Conde, Coimbra, Santa Maria da Feira) dezenas de manifestantes dividiram-se em turnos de 10 pessoas, que se iam revezando, para cumprir a regra do distanciamento social, em protesto.

Como as reivindicações e preocupações não têm geografia, resumimos as principais. O que não se ouviu, porque o protesto foi silencioso, leu-se nos cartazes que atores, músicos, produtores, coreógrafos, encenadores ou técnicos seguravam em mãos.

  • “E se tivéssemos ficado sem cultura?”. “Que seria das pessoas se tivessem de cumprir o confinamento sem livros, sem música, sem os conteúdos que tantos agentes culturais disponibilizaram ‘online’?”, questionou-se nos diversos pontos de protesto. 
  • Há fome, denunciaram. São vários os relatos de profissionais a passar fome e o setor diz que as coisas “vão-se agravar muitíssimo”, porque as poupanças dos artistas estão a esgotar-se.
  • Precariedade, essa palavra já familiar ao setor. Agentes culturais dizem que a pandemia veio “pôr a nu” tudo aquilo que tem sido a vida dos artistas.
  • Fundo de emergência, exigiram. “Um apoio de emergência, para já, que não esteja submetido a uma lógica de concurso, em que as pessoas têm que provar que são merecedoras de um apoio”, afirmou Joana Saraiva, uma das organizadoras do protesto, em referência à Linha de Apoio de Emergência às Artes, do Governo, que recebeu 1.025 candidaturas, das quais 636 foram consideradas elegíveis e, destas, apenas 311 receberam apoio.
  • Estatuto de intermitência, pediram. Para além do fundo, a classe pede um estatuto de intermitência. “Por inerência das nossas profissões elas são intermitentes e serão sempre. É importante não deixar estes trabalhadores desprotegidos entre projetos ou em fases em que, por questões que não são da sua responsabilidade, podem trabalhar menos ou nada. Exigimos uma resposta para pessoas que, como eu, ficaram com rendimento zero”, afirmou ainda Joana Saraiva.

Mas o que está em cima da mesa? E quais são os números?

  • De acordo com um inquérito promovido pelo Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, Audiovisual e Músicos, com resultados anunciados no início de abril, 98% dos trabalhadores de espetáculos viram trabalhos cancelados e, 33%, por mais de 30 dias. Em termos financeiros, para as 1.300 pessoas que responderam ao questionário, as perdas por trabalhos cancelados representam ainda dois milhões de euros, apenas para o período de março a maio deste ano.
  • Em resposta, o Governo criou uma linha de apoio de emergência, com uma dotação inicial de um milhão de euros, reforçada entretanto com 700 mil euros, que vai apoiar 311 projetos em 1.025 pedidos recebidos. Foi ainda anunciado um apoio de 400 mil euros na área do livro e agilização de procedimentos no acesso a concursos de apoio ao cinema.
  •  Mais de um terço das organizações da cultura (34,6%) perdeu postos de trabalho este ano, no contexto da paralisação imposta pela pandemia de covid-19, verifica o Observatório de Políticas de Comunicação e Cultura da Universidade do Minho. Ao nível dos profissionais da cultura, 70,5% registarão perdas superiores a 50% no volume de negócios, em 2020, indicam os dados do estudo, com quase metade (45%) dos profissionais a reconhecer quebras de receita acima dos 75%, enquanto mais de um quarto (25,5%) admitem perdas entre os 50% e os 75%.

Depois de mais de dois meses encerrados, cinemas, teatros, auditórios e salas de espetáculos podem abrir em 1 de junho, "com lugares marcados, lotação reduzida e distanciamento físico". Os festivais de verão estão proibidos até 30 de setembro.

No entanto, o alerta já foi dado: “A reabertura não significará a retoma do setor".

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