Rebenta a bolha

Tomás Albino Gomes
Tomás Albino Gomes

Há uma expressão de miúdo que me tem vindo à memória nos últimos dias: “rebenta a bolha”. Consigo recordar perfeitamente o recreio dos primeiros anos de escola e um jogo das escondidas a dar para o torto, a maior parte das vezes porque a campainha tinha tocado e a professora já estava à porta da sala a ver onde é que andava quem não estava ainda sentado na sua carteira, e o grito de um de nós a surgir: “ou! rebenta a bolha! Rebenta a boooooooooooolhaaaaaaaaaaaaa!”.

O dito servia ora para terminar o jogo por factores que impediam o normal decorrer da brincadeira ora para, pelas mesmas causas, reunir os grupo e recomeçar o jogo numa tentativa de que as regras, desta vez, fossem cumpridas.

Na última semana também rebentou uma bolha, mas não foi numa brincadeira de recreio. Foi a bolha de segurança prometida pelo governo para os adeptos ingleses, do Manchester City e Chelsea, que se deslocaram à cidade do Porto para assistir à final da Liga dos Campeões entre os dois clubes da Premier League e que sagrou os Blues como campeões europeus.

Ao contrário do que foi prometido pelas autoridades governamentais, boa parte dos adeptos não vieram na bolha que faria com que estes não ficassem mais de 24 horas na Invicta e na quinta-feira, sexta e sábado as imagens de adeptos a consumir álcool na via pública, sem usar máscaras e sem o mínimo respeito pelo cumprimento das regras de distanciamento social invadiram as redes sociais e as televisões.

O caso causava estranheza e indignação, primeiro porque acontecia pouco tempo depois do festejo do título nacional do Sporting CP que encheu as ruas de Lisboa de adeptos, sem que as regras de prevenção contra a covid-19 fossem, também, em muitas ocasiões cumpridas, e porque estava a ser exibido uma dualidade de critérios, uma vez que uma semana antes SL Benfica e Sporting de Braga disputaram a final da Taça de Portugal à porta fechada e, no dia a dia, não é possibilitado à população que tenha comportamentos desviantes, face à atual ordem pandémica, sequer próximos daqueles apresentados pelos adeptos ingleses.

Durante o fim-de-semana não se ouviu viva voz por parte do Governo, Direção-Geral da Saúde ou forças policiais. Ouviu-se sim a indignação de alguns atores políticos e do mundo do futebol, dos quais tiveram particular eco as declarações de Pinto da Costa que considerou que foi passado um "atestado de mediocridade ao povo português" e pediu a demissão de responsáveis.

Já esta segunda-feira começou com especialistas a alertar para o impacto desta final na perceção das pessoas e na possibilidade que existe no futuro de estas ignorarem as normas de saúde pública em vigor.

Também hoje falou o secretário de Estado do Desporto, que disse que a final da Champions não o preocupa "minimamente". “As pessoas percebem que são testes", disse, afirmando que o público deverá regressar aos estádios na próxima época desportiva.

A ministra da Saúde, por seu turno, foi um bocadinho evasiva: “Tenho a certeza que neste momento já todos os portugueses compreenderam que há um conjunto de regras que temos que continuar a seguir e a circunstância de outros não as cumprirem, não deve ser um álibi para aquilo que gostaríamos de fazer”.

Já António Costa admitiu erros: "Se correu na perfeição? Não correu, há pelo menos 20% de pessoas que terão vindo com bilhete e que não respeitaram as regras da bolha e decidiram vir antecipadamente, beneficiando do facto de as fronteiras terem aberto e, portanto, vieram como turistas", explica Costa, salientando ainda que não é por as regras não terem sido cumpridas que "deixam de ser legitimas", lembrando os ajuntamentos noturnos que se têm verificado em Lisboa e os festejos do campeonato do Sporting CP.

Por último, a DGS revelou números. A diretora-geral da Saúde disse que no âmbito da final da Liga dos Campeões de futebol foram testadas 5.600 pessoas, das quais três estão em isolamento, duas por testarem positivo e uma por ser contacto de alto risco.

Se é verdade que a vacinação no Reino Unido corre de vento em popa, com mais de metade da população imunizada contra a covid-19, em Portugal esse número não é ainda idêntico. De acordo com o último relatório de vacinação da DGS, de há uma semana, somente 15% da população da região Norte tinha a vacinação completa contra a covid-19.

Por isso pode estar na altura de alguém entre as autoridades de saúde e governamentais gritar "rebenta a bolha" e voltar a olhar e desenhar esta realidade restritiva portuguesa antes que as pessoas o façam por elas próprias com episódios como o deste fim de semana na ponta da língua como argumentário.

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