As notícias ainda se esquecem das mulheres

Pedro Soares Botelho
Pedro Soares Botelho

Um estudo internacional divulgado hoje mostra que as notícias produzidas em Portugal “continuam a veicular muito estereótipos, sobretudo subtis”, quando retratam e representam as mulheres. “Não há evolução praticamente nenhuma” no que respeita a ouvir mulheres enquanto especialistas ou porta-vozes, assinalou Rita Basílio Simões, coordenadora da participação portuguesa no Global Media Monitoring Project (GMMP), iniciativa da organização não-governamental World Association for Christian Communication.

“Continuamos a ter uma presença muito reduzida de mulheres no papel de especialistas ou porta-vozes. As mulheres aparecem sobretudo como testemunhas oculares, como representando a voz popular, como dando a sua experiência pessoal em relação a determinado assunto, e não como vozes de autoridade”, detalhou, em entrevista à Lusa, via zoom, a propósito do estudo “Who makes the news? [Quem faz as notícias?]”.

O sexto relatório do GMMP, hoje divulgado, baseou-se em dados de 116 países, que analisaram um conjunto de 30.172 histórias disseminadas em jornais, rádios, televisões, ‘sites’ e na rede social Twitter, no mesmo dia. O estudo, que se realiza a cada cinco anos, é a maior análise sobre o retrato e a representação das mulheres nos media e em 2020 foi realizado em Portugal por uma equipa da Secção de Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que dissecou 329 notícias.

Porém, “os números não dizem a história toda” e, quando se analisa melhor, “as mulheres estão mais presentes, mas continuam a desempenhar funções periféricas e não funções que ilustrem um lugar de importância na sociedade”. Por exemplo, as mulheres são sujeito ou fonte de informação em apenas 27 por cento das notícias sobre política e 40 por cento das notícias sobre economia, estando apenas em maioria (52%) nas notícias sociais e legais.

“Desde o início da pandemia, temos mulheres na linha da frente do combate, mas, no entanto, elas acabam por aparecer muito pouco nas notícias”, refere a investigadora. Segundo o estudo, apenas 32% das notícias sobre ciência e saúde têm como sujeito ou fonte uma mulher.

Outro dos destaques para os dados nacionais de 2020 “uma percentagem confortável de produção de notícias por mulheres”. O estudo estima que 57% dos repórteres são mulheres (que atingem o máximo de 84% nas rádios), percentagem que baixa para 27% entre os apresentadores (que atingem o mínimo de 16% também nas rádios).

Nos media tradicionais, as mulheres já são a maioria na produção de ‘hard news’ de política (52%) e economia (77%), mantendo-se o desporto aparte desta tendência de feminização (21%).

Contudo, “quem manda são os homens” e este aumento de mulheres jornalistas não se traduz em mudanças na escolha de fontes (incluindo mais mulheres) ou no tratamento dos temas (dedicando mais atenção à igualdade de género). Ao contrário, ressalva a investigadora, “há muitas oportunidades perdidas, em que as matérias se prestavam a explorar a questão de género, mas esse olhar é negligenciado” por quem produz as notícias.

Para responder à “falta de consciência e sensibilização” dos jornalistas, a equipa portuguesa recomenda formação, para ajudar a “eliminar estereótipos de género” da produção de notícias.

Ao mesmo tempo, apela aos meios de comunicação que equilibrem “a presença de homens e mulheres nas notícias como protagonistas e fontes de informação” e diversifiquem a produção noticiosa, “dedicando mais atenção” às questões de género e direitos das mulheres “em períodos de rotina” e não apenas a propósito de efemérides.

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