O regresso à normalidade perdeu o número mágico, mas não o caminho

Tomás Albino Gomes
Tomás Albino Gomes

Depois de termos passado vários meses a ouvir e a ler que estando vacinada 70% da população portuguesa contra a covid-19 atingiríamos a imunidade de grupo, essa ideia caiu por terra. Atenção, não aconteceu agora. À medida que o mundo se debateu com as sucessivas variantes o número mítico foi-se desatualizando.

Hoje, Portugal tem mais de 70% da população vacinada com pelo menos uma dose, 62% totalmente imunizada, e está ainda a alguns milhões de vacinas de poder chegar à chamada imunidade de grupo. Ou nem isso.

Sim, aquele "ou nem isso" não caiu ali por acaso porque o tema está longe de ser consensual.

Primeiro, e porque nunca é demais recapitular, o que é a imunidade de grupo? "A imunidade de grupo para uma doença infeto-contagiosa numa determinada população (humana ou animal) acontece quando uma parte suficientemente grande dessa população está imune (protegida) contra essa doença e contribui para que esta não se dissemine".

Agora, vamos ao dito por não dito que dominou a atualidade do dia de hoje.

A propósito do anúncio do plano de vacinação dirigido aos adolescentes entre os 12 e os 15 anos, que deverá acontecer a partir dos últimos fins de semana de agosto, o coordenador da task-force disse ter a "forte convicção" que, com a decisão da Direção-Geral da Saúde em vacinar esta franja da população, ao que tudo indica, antes do início do ano letivo, mais precisamente antes do dia 19 de setembro, "vamos, eventualmente, atingir a imunidade de grupo porque temos mais pessoas para vacinar".

"Vacinando acima de 85% a 90% da nossa população muito provavelmente iremos atingir essa imunidade e estamos a tentar fazer isso o mais rapidamente possível", sublinhou o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo.

Quem não se mostra tão fã de números é a pediatra Kate O'Brien, a diretora do Departamento de Imunização, Vacinas e Produtos Biológicos da Organização Mundial da Saúde, que disse hoje que "não há nenhum número mágico para definir a proporção da população que necessitará de ser vacinada, isso está associado a quão transmissível o vírus é".

Segundo a pediatra, que falou hoje na habitual videoconferência de imprensa da OMS sobre a pandemia, "o consenso" é que "uma maior parcela da população necessita de ser vacinada para se atingir o efeito da imunidade de grupo" consoante "as variantes do SARS-CoV-2 são mais transmissíveis, e estão a surgir em todo o mundo".

"Sabemos que com o vírus da varíola, altamente transmissível, precisamos de 95% da população vacinada", sublinhou.

A variante Delta do coronavírus SARS-CoV-2, dominante em vários países, incluindo Portugal, é apontada, num relatório dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, como sendo mais contagiosa que os vírus que causam a gripe sazonal e a varíola.

Num outro registo de previsões, este sem números de todo, o diretor do Centro de Vacinas de Oxford, Andrew Pollard, que considerou o desenvolvimento da vacina contra a covid-19 do laboratório AstraZeneca, admitiu ser impossível atingir a imunidade de grupo face à prevalência da variante Delta.

Segundo Pollard, que falava numa comissão parlamentar, no Reino Unido, esta estirpe, a mais transmissível de todas as estirpes do coronavírus que provoca a covid-19, "continuará a infetar as pessoas que se vacinaram".

"Isto significa que qualquer pessoa que ainda não se vacinou vai ficar em algum momento infetada com o vírus", afirmou, citado pela agência noticiosa Efe, alertando para a eventual possibilidade de aparecer uma nova variante que "talvez se transmita ainda melhor entre as populações vacinadas".

Para Andrew Pollard, os planos de vacinação contra a covid-19 não devem, por isso, basear-se na ideia da imunidade de grupo (que se alcança quando uma grande maioria da população está protegida contra um agente infeccioso, geralmente através da vacinação, reduzindo o risco das pessoas que não estão, incluindo as que não podem ser vacinadas ou nas quais a vacina não surtiu efeito).

De acordo com um relatório publicado na semana passada pela agência de saúde pública inglesa, "os níveis virais nas pessoas vacinadas que se infetam com a variante Delta podem ser similares aos detetados em pessoas não vacinadas".

Hoje, na videoconferência de imprensa da OMS, Kate O'Brien realçou também a importância da vacinação contra a covid-19 a par das medidas sanitárias, como o uso de máscara, o distanciamento físico e a lavagem das mãos.

Kate O'Brien lembrou que as vacinas em circulação contra a covid-19 "são muito eficazes" a prevenir a doença grave e a morte, pelo que a sua "distribuição equitativa" é necessária para evitar "infeções sérias em todo o mundo".

Contudo, "não temos vacinas que sejam altamente eficazes na redução da transmissão" do vírus, ressalvou.

O regresso à normalidade perdeu o número mágico, mas não perdeu a certeza de que esse regresso só será possível com a continuação da aplicação do plano de vacinação. Por isso ficam estas notas fundamentais para os próximos dias:

  • Nos dias 12 a 14 de agosto, o auto-agendamento vai ser exclusivo para as idades dos 12 aos 15 anos;
  • As vacinas agendadas para o fim de semana foram remarcadas para sexta ou segunda-feira. Estes dias — 14 e 15 de agosto — são exclusivos para jovens de 16 e 17 anos;
  • E porque nunca é demais relembrar: A modalidade “Casa aberta” para vacinação já está disponível a partir dos 18 anos (com senha digital).

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