Este orçamento veio de longe e com muita estrada para andar, mas para chumbar

Abílio dos Reis
Abílio dos Reis

"Estou de consciência tranquila porque fiz tudo, tudo o que estava ao meu alcance para assegurar a viabilidade deste orçamento sem aceitar o que em boa consciência não acredito que o país pudesse suportar", frisou hoje António Costa, na sua intervenção antes da votação ditar que a proposta do seu executivo tinha sido rejeitada. Ou, por outras palavras, Costa não conseguiu convencer o parlamento e o país fica com o futuro em crise.

Muito se escreveu nos últimos dias sobre a crise política, pelo que muito da história do dia de hoje não mais era do que um chumbo pré-anunciado. Não será descabido avançar, portanto, que já se sabia de antemão que o "tudo" do primeiro-ministro não seria suficiente para o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP). Isto, aliás, ficou bem assente nos últimos dois dias em que o documento esteve em discussão na Assembleia da República. E, como bem recordou a agência Lusa, nem os apelos ou referências musicais ajudaram a mudar os ventos e a vontade dos dois partidos.

De nada adiantou a Marta Temido, sem nunca se referir diretamente ao BE ou ao PCP, recordar as canções de José Mário Branco. De nada lhe valeu dizer: "vim de longe, de muito longe, o que eu andei para aqui chegar. Eu vou para longe, para muito longe, onde sei que nos vamos encontrar". A esquerda não cedeu à letra. Nem à de José Mario Branco nem à de Jorge Palma.

É que já antes — isto passou-se no primeiro dia de debate –, António Costa tinha aproveitado para citar autor de "A Gente Vai Continuar": "Ainda há estrada para andar e devemos continuar. Da parte do Governo, enquanto houver ventos e mar a gente não vai parar". Ou seja, o primeiro-ministro tentou "tudo", mas de nada lhe valeu. A vontade dos parceiros já não estava lá. 

O BE, pela voz de Catarina Martins, também frisou que tanta cantiga não alegrou o partido. "O Governo não trouxe nada de novo a este debate", disse hoje a líder a bloquista. Já os comunistas estabeleceram que fizeram até ao limite das possibilidades "um esforço sério para que se encontrassem as soluções necessárias", mas que "a falta dessa resposta" para solucionar os problemas do país, "revela a opção feita pelo governo".

Assim caiu um Orçamento, assim se avizinham eleições (é o segundo orçamento chumbado desde o 25 de Abril, mas este é o primeiro a originar eleições). E todos têm alguma coisa a dizer sobre isso. Tanto que parece que ninguém duvida das ameaças de Marcelo e parece que vai mesmo avançar com a dissolução do parlamento. O que, naturalmente, levanta questões.

Quais são os passos para a dissolução do parlamento? A rejeição de um Orçamento de Estado obriga à dissolução da AR e à convocação de eleições? O chumbo do OE implica a demissão do Governo? Como é que são marcadas as eleições legislativas antecipadas? Pode encontrar respostas a estas e outras questões aqui. 

Ainda assim, António Costa já veio explicar o que está em jogo: não sai, não se demite e tem confiança nos portugueses. O que é que isso significa? Que espera ter uma maioria absoluta se for a escrutínio. Em todo o caso, esclareceu que há duas opções em cima da mesa: continuar governar por duodécimos ou ir para eleições, se for essa a sua decisão". (Regime de duodécimos. O que é? E o que pode ser feito?)

Em suma, à direita, e pegando novamente nas palavras da agência Lusa, houve o consenso de que a rejeição deste orçamento refletiu o fracasso da solução governativa que ficou conhecida como ‘geringonça’, chegando-se a ouvir um deputado no corredor do PSD a dizer, em tom de brincadeira, "a luta continua, Governo para a rua". Em contraste, os ex-parceiros do governo, Bloco de Esquerda e PCP, saíram do plenário em silêncio.

A tarde de hoje acabou com o Presidente da República a fazer saber que se encontra reunido durante esta noite com o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, e o primeiro-ministro, António Costa, e ouvirá os partidos no sábado e o Conselho de Estado na próxima quarta-feira. E, depois, se fizer o que disse que iria fazer, deverá convocar eleições. (E, nesse cenário, Santos Silva não descarta uma possível repetição da geringonça.)

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