Celebrar a lusofonia. Melhor: celebrar a música portuguesa. Se somos campeões do europeu de música popular, também podemos ser campeões de toda a outra mescla de estilos. É aí que entra o Festival F, “de Faro e de Fabuloso”, como diz Rogério Bacalhau, o presidente da Câmara algarvia. Apesar da juventude, o festival que vai para a sua quarta edição, promete grandes voos.

O céu, todavia, é capaz de não ser a melhor metáfora para um festival que tem os pés na água, debruçado que está sobre a ria Formosa. Ainda assim, prossigamos com ela: na sua quarta edição, o Festival F sai pela primeira vez de dentro das muralhas da cidade velha de Faro para as abraçar durante três dias – 31 de agosto, 1 e 2 de setembro. O objetivo está no slogan: o F é o “último grande festival de verão”.

Rui Veloso, Carminho, Samuel Úria, Salvador Sobral, Miguel Araújo, AGIR, Dengaz, Mão Morta, Jorge Palma ou Xutos e Pontapés são apenas alguns dos nomes no alinhamento para este ano; alinhamento que põe em confronto o novo e as instituições da música portuguesa. Nomes ou sonoridades menos festivaleiras são, assim, chamados ao palco algarvio para celebrar, tal qual dissemos no início, a música que se faz neste país.

Dengaz, “o ponta de lança do hip-hop português”, como lhe chama Vasco Sacramento, presidente da produtora Sons em Trânsito, acredita que a música que toca “já não é assim tão diferente”. E, de alguma forma, tem razão. Não há caixinhas para a música: Júlio Resende, Samuel Úria e Dengaz deram a cara pelos artistas do Festival F. Estilos tão diferentes, porém, tão unos que se podem encontrar, à beira da ria Formosa, entre as muralhas que se abrem a uma só coisa: a música portuguesa. Podemos começar precisamente por aqui.

Dengaz
créditos: Pedro Soares Botelho | Madremedia

A afirmação da música portuguesa

“Se calhar nunca mais vais fazer essa pergunta”, atira Dengaz quando lhe perguntamos se a música portuguesa tem força para fazer um grande festival sem a ajuda de grandes nomes estrangeiros. “Cada vez mais existem cabeças de cartaz portugueses”, acrescenta o rapper cascalense.

Júlio Resende, que vai a Faro com duas partes dele (e numa delas inclui um heterónimo de Fernando Pessoa interpretado por um tal vencedor da Eurovisão), crê que “a boa comunicação da música portuguesa tem chegado às pessoas”.

“Os discos portugueses estão nos tops de vendas e rivalizam com Leonard Cohen, Radiohead. Se eles estão lá é porque as pessoas estão a ouvi-los”, acrescenta o músico algarvio, que vai atuar com o projeto a solo, mas também com o projeto Alexander Search, que o junta a Salvador Sobral.

A representar outro quadrante, Samuel Úria diz que "já era altura de a música alternativa crescer”. "Quem consome música são normalmente pessoas mais ou menos da minha idade, que cresceram também com música um pouco mais desalinhada, e que não ficaram reféns só daqueles que eram os sucessos estrondosos ou da música do mainstream. E isso criou espaço para que exista uma cultura musical um bocadinho mais abrangente." “A música está na ordem do dia”, diz o cronista do SAPO24 em entrevista.

Não dá para ignorar, porém, o facto de este festival, ode à música de Portugal, acontecer precisamente naquela que é talvez a mais internacional das regiões do país. Vasco Sacramento, da Sons em Trânsito vê nisso “até um bom pretexto” precisamente para atirar um festival de cultura portuguesa para o meio das férias dos estrangeiros.

Júlio Resende
créditos: Pedro Soares Botelho | Madremedia

"É uma boa oportunidade para mostrar a quem nos visita a mais valia, a riqueza, a diversidade da nossa música. O que queríamos também era um cartaz musical que fosse diferenciador no verão". Ainda por cima, o Festival F vem numa altura em que "a música portuguesa está com uma vitalidade enorme", o que, explica Vasco Sacramento ao SAPO24, ajuda a que se consiga apresentar "tantos artistas bons e conseguir criar um cartaz tão rico ano após ano, sem praticamente repetir ninguém - esse tem sido o grande desafio, até agora alcançado."

A Ambivalência da Música Portuguesa

“Fusão de idades e de projetos”, chama-lhe Paulo Santos, vice-presidente da autarquia algarvia. O Festival F abre-se dos oito aos oitenta. A avó pode ouvir Carminho enquanto o neto ouve os Beatbombers. Com um horário alargado – “das seis da tarde às seis da manhã”, explica o vice-presidente – e entradas grátis até aos 12 anos, o Festival F abre-se às famílias.

“Conseguimos captar a atenção desde os mais pequenos aos mais velhos”, diz Paulo Santos em entrevista ao SAPO24. E dá um exemplo: uma família pode vir toda junta à tarde e a meio da noite os avós levam os netos para casa, continuando os pais no festival. “Mesmo o pessoal mais novo vem mais tarde, para outro tipo de som e de divertimento”.

Samuel Úria
créditos: Pedro Soares Botelho | Madremedia

Porquê estes e não outros? “O objetivo é ter uma amostra panorâmica daquela que é a música portuguesa”, diz Vasco Sacramento, da Sons em Trânsito, sobre o cartaz deste ano.

O Algarve não é só praia

Para além do Festival F, muitas são as alternativas culturais que Faro, capital do distrito homónimo, oferece. Do Alameda Beer Fest à concentração motard, há, em Faro, “um conjunto de atividades que se prolonga pelo verão, para além de outras na época baixa, e que de alguma forma contribuem para a nossa afirmação turística, mas também para a nossa afirmação cultural, patrimonial e gastronómica", diz o presidente da autarquia.

“Esse foi, ao fim ao cabo, o nosso mote: mostrar para além daquilo que temos naturalmente, como as praias, a ria Formosa, a gastronomia, a cultura, mostrar também aquilo que se passa em termos musicais no país inteiro. Temos artistas da região, uns em afirmação, outros já com nome, mas não nos circunscrevemos aos artistas que temos no Algarve, não era esse o objetivo, mas mostramos aquilo que temos de melhor na música portuguesa”, afirma.

Apesar disso, “o sul ainda é longe de Lisboa”, lembra Rogério Bacalhau em entrevista. É que, “embora com a autoestrada sejam duas horas”, como diz o autarca, a apresentação do festival algarvio aconteceu no terraço de um hotel lisboeta. “Sair um pouco do Algarve, vindo ter com os órgãos de comunicação, é muito mais fácil em Lisboa”. Até porque, “o festival não está circunscrito a Faro”.

“Temos hábitos culturais um pouco por todo o país, há estruturas preparadas um pouco por todo o país e é relativamente simples montar um evento desta natureza em Faro, talvez o maior desafio seja a parte mediática, porque os meios de comunicação estão concentrados em Lisboa”.

"Muitas vezes o Algarve não é mais evidente para se fazer concertos, às vezes percebe-se uma espécie de barreira, sobretudo para músicos do meu quadrante, seja ele qual for, e não se vai tantas vezes ao Algarve. Isso cria uma espécie de desconhecimento em relação ao público que lá existe. O Festival F prova que é um público tão atencioso e tão motivado e efusivo como qualquer outro no país", afirma Samuel Úria.

Um município festivaleiro

O Festival F é um “festival de fim de época”, explica Rogério Bacalhau, presidente da câmara. O Algarve tem muita coisa durante toda a época estival, não quisemos fazer concorrência, queremos fazer uma coisa de fim de época que fique na memória das pessoas, utilizando aquilo que Faro tem de melhor, a cidade velha, mostrando todo o nosso património arquitetónico, religioso, cultural. E essencialmente, foi pensado para o espaço como um festival que é nosso, ou seja é um festival de música portuguesa e desde o primeiro ano que temos tido essa preocupação e queremo-la manter, trazendo, a cada ano, o melhor que temos na música portuguesa, dando-a a conhecer e dando a conhecer a cidade

Na organização do evento estão envolvidas três estruturas municipais, em parceria com a promotora Sons em Trânsito. O orçamento é de 500 mil euros, porém, ressalva o vice-presidente da câmara municipal de Faro, “desde a primeira edição que o festival tem vindo sempre a crescer, quer no orçamento, quer na área, quer no número de palcos, e desde a primeira edição que o festival é autossustentável, ou seja, atingimos o break even em todas as edições. Se há um investimento inicial da câmara, há também um retorno da sua totalidade”, explica Paulo Santos ao SAPO24.

Retorno, porém, que não significa lucro: “nunca tivemos um lucro significativo que nos permitisse dizer que temos uma almofada criada pelo festival. Se isso vier a acontecer, será aplicado na área cultural”, diz Paulo Santos que acrescenta que pode ser este o ano em que isso acontece.

Questionado sobre se a proximidade das eleições autárquicas teve alguma influencia na expansão do festival, Rogério Bacalhau, que se recandidata à câmara farense pelo PSD, desvaloriza: "Desde o início do mandato que nós delineamos este festival, que calha no final da época do verão. As eleições são no dia 1 de outubro. Há uma coincidência que não tem nada a ver com o Festival F, nem com a data”, esclarece. E acrescenta: “para quem está no poder, não é em quinze dias que se ganham as eleições, é por aquilo que se fez ao longo do mandato, e nesse campo, este é mais um evento".

Rogério Bacalhau
créditos: Pedro Soares Botelho | Madremedia

Mais um evento a juntar a outros, como o Alameda Beer Fest, a concentração motard de Faro e, a partir desta quinta-feira, o festival de marisco da ria Formosa, lembra Rogério Bacalhau. "Há aqui um conjunto de atividades que se prolonga pelo verão, para além de outras na época baixa, e que de alguma forma contribuem para a nossa afirmação turística, mas também para a nossa afirmação cultural, patrimonial e gastronómica", diz o presidente da autarquia.

Os bilhetes podem ser comprados nos locais habituais. O diário custa 15 euros e o passe para os três dias, até 25 de agosto, custa 30 euros (depois de 25 de agosto, custarão 40 euros).
Crianças até aos 12 anos (inclusive) não pagam bilhete.