Karla Sofía Gascón, de 52 anos, dá vida a um "patrão" do narcotráfico no México que quer mudar de sexo e de vida. Faz o papel do líder do cartel e da mulher depois da transição e com esta dupla atuação, tornou-se a primeira intérprete transexual a conquistar o prémio de melhor atriz em Cannes.

Ao receber o prémio, e em representação das quatro atrizes já que se tratou de uma distinção coletiva, Gascón dedicou-o "a todas as pessoas trans, que sofrem todos os dias".

"Todos temos a oportunidade de mudar para melhor, de sermos pessoas melhores", acrescentou.

Karla nasceu Carlos Gascón em Alcobendas, nos arredores de Madrid, onde conheceu aos 19 anos aquela que viria a tornar-se a sua mulher, Marisa,com quem teve uma filha, agora com 13 anos.

As três continuam hoje próximas e a filha tem agora tem duas mães, uma medida que não foi fácil de conseguir, apesar de a Espanha, onde Karla mudou de sexo e identidade em 2018, quando tinha 46 anos, ser um dos países mais liberais do mundo nesta matéria.

A atriz não se esqueceu delas na hora dos agradecimentos e dedicou o prémio às duas, "que aguentam as minhas loucuras todos os dias".

"Tive uma vida um pouco estranha. E restavam coisinhas por fazer. E uma delas é esta, estar aqui", disse à AFP, após a estreia do filme "Emilia Pérez", do francês Jacques Audiard.

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Karla Gascón reconhece que a teimosia foi um meio de sobreviver, após descobrir que não se sentia confortável com o seu corpo "desde os quatro anos de idade".

E com esta mesma tenacidade conseguiu convencer Audiard, que lhe teria proposto interpretar apenas o papel de Emilia Pérez, para que lhe desse os dois papéis no filme.

"Tive de o convencer mandando vídeos e fotografias durante meses, até que uma manhã me ligou e disse: 'os dois personagens são seus, deixe-me em paz'", explicou, no meio de risos.

"Um caminho difícil"

Durante três décadas, Carlos Gascón foi um galã de cabelos loiros e olhos claros que interpretou papéis em pequenos telefilmes e séries na Espanha.

Estudou interpretação na Escola de Cinematografia de Madrid e começou a carreira no final da década de 1980, com um papel em "El águila de fuego", uma revista musical na capital espanhola.

Participou em seguida na série de televisão "El súper", do canal Telecinco e em 2005, numa outra intitulada "El pasado es mañana".

Em busca de novos horizontes profissionais, mudou-se para o México em 2009, onde interpretou um cigano na telenovela "Corazón salvaje". Seguiram-se outros papéis de galã até ao grande sucesso, em 2013, como um dos protagonistas do filme "Nosotros los nobles", um dos filmes mais vistos no México.

Em 2018, para surpresa dos fãs, anunciou que havia mudado de identidade e que legalmente passava a chamar-se Karla Sofía.

"Foi um caminho muito difícil, muito complicado, para a minha mulher sobretudo. Mas é maravilhoso o que está a acontecer", celebra agora.

Informação da AFP editada por MadreMedia