Manuel não queria falar. Andámos a manhã toda atrás dele, a ver se o conseguíamos convencer a dizer qualquer coisa. Mas diz que não fala quando está a trabalhar. Só depois de vendido o peixe se sentou à porta do café. Acendeu um cigarro, fitou o mar e foi falando.

Perguntei-lhe como se ganha coragem para galgar as ondas e fazer o lanço das redes que depois hão de ser puxadas para a areia pelos tratores. Disse que ali não há coragem. Vai-se porque sempre se foi — e ainda se tem de ir. O resto é confiança no saber e jeito no que faltar.

Hoje, um jovem de 23 anos "caiu ao mar quando se encontrava à pesca" em São Pedro de Moel, Leiria. Foi "dada a informação de que não sabe nadar”, tendo as buscas sido suspensas até à manhã desta segunda-feira: hoje, já não há luz que chegue.

O mar pede respeito, ensinaram-me os arrais de Espinho. A temporada está a terminar por esta altura — o peixe escasseia. Nalguns dias, nesses de maior fartura, chegam a domar as ondas logo às três ou quatro da madrugada. Com o aproximar dos defesos, rareando o peixe, vão mais tarde e munidos só da esperança de que haja alguma coisa mais do que o lixo.

Depois, esse pouco peixe é posto na lota. As peixeiras hão de o vender aos que ali vão à procura do bicho que ainda soluça, de fresco que está — pois que há minutos ainda nadava, selvagem que é, no Atlântico.

Pensar em mar, pensar em peixes, é diferente de pensar em terra e animais. Aqui, o gado é domesticado: criado e tratado pelas mãos dos homens e das mulheres. Com o mar não é assim: o peixe é selvagem, é livre até que alguém o agarre e puxe para a morte.

Citar o meu próprio trabalho é algo estranho, mas a dada altura apercebi-me de que nesta coisa de ser, “há os peixes e há os homens, ali na luta de sobreviver e ganhar a vida. Para que um viva, morre o outro; quando morre um, vive o outro. A arte é esta.”

Em causa própria, aconselho o leitor, então, a passar por esta história. É multimédia: conto-a com o texto, mas também com o som: o som de uma velha peixeira, de um arrais, do patrão de uma companha — e até de um peixe.

E porque de mar falamos, fica ainda uma sugestão para o jantar: hoje é o último dia para ir a Espinho aproveitar as 17 propostas do Sem Espinhas, evento que celebra a gastronomia local.

Sem Espinhas e ligeiramente a norte de Espinho, eu sou o Pedro Soares Botelho e hoje o dia foi assim.