"Entre o ser e o parecer isto é mesmo o que parece", a frase é de Carlos Guimarães Pinto e dá o mote ao escorpião desta semana. Que não é mais que o escorpião da semana passada. Sim, o parecer que Fernando Medina não entregou, que Mariana Vieira da Silva insistiu em não entregar. O mesmo que Ana Catarina Mendes disse não entregar para proteger o papel do Estado numa batalha jurídica, era afinal aquele que Fernando Medina disse não existir. Para, depois, Mariana Vieira da Silva, numa discussão semântica, falar em "documentos jurídicos". Pois, agora, Fernando Medina garantiu que a Comissão Parlamentar de Inquérito terá afinal "acesso a todos os documentos".
Este escorpião de hoje será seguramente "surpreendente" para a Ministra Mariana Vieira da Siva que já veio dizer não perceber como alguns temas "ganham centralidade política". Por "alguns temas" refere-se a uma das mais maiores empresas públicas portuguesas, na qual os contribuintes investiram 3.200 milhões de euros. E a quem o governo tem mentido, perdão evoluído de pensamento, sucessivamente acerca da sua gestão.
Tudo o que se soube até agora da TAP já seria grave o suficiente. Mas os temas não terem uma pedra sobre eles, e uma resolução clara desde o dia em que vêm a público diz mais sobre a gestão pública do que qualquer parecer jurídico. Este caso fez cair um Ministro, e segundo António Costa teria feito cair Hugo Mendes se ainda exercesse funções. Mas o Primeiro Ministro tem sido mais célere a demitir quem já não está em funções. Agora, a cada semana, há um novo Ministro que se vem envolver na trama e justificar o injustificável. Se todos forem responsabilizados - na verdadeira acepção da palavra - Marcelo Rebelo de Sousa não tem que dar más notícias, e o Governo dissolve-se sozinho. Menos António Costa, acerca desse continuamos sem saber o que lhe parece o parecer.
O Sapo desta semana, foi durante dois segundos o herói desta semana. Depois, bastaram dois segundos para nos lembrarmos da dignidade das instituições e dos seus representantes, do que significa ser eleito em democracia, e mordemos a língua por termos regozijado com a atitude do Sapo.
Começando pelo início, foram constrangedoras as manifestações e os berros do Chega durante o discurso de Lula, concordássemos com a vinda do Presidente brasileiro ou não. Um dia em que os olhos estavam posto na liberdade, o Chega tentou impedir que um líder mundial - goste-se do que diz ou não - fosse ouvido na casa da democracia.
Durante aquele momento em que as mesas serviam de batuque e os sons guturais impediam quem estava na Assembleia da República de ouvir o que Lula da Silva dizia. Quase que percebemos que no "calor" do momento, Santos Silva tivesse personificado o educador e que num tom paternalista desse um ralhete ao Chega.
Mas passados dois segundos, ao pensarmos um bocadinho, lembramo-nos que Santos Silva ali estava como Presidente da Assembleia da República. Que o Chega ali estava como representante dos eleitores que nele votaram - e que, muito provavelmente, esperavam e queriam que se fizesse política como ele fez naquele dia. E, também, que Lula ali estava legitimado pelos brasileiros que o quiseram ver outra vez no poder. E, portanto, é-nos estranho que a escolha da segunda maior figura do Estado seja ignorar a vontade dos portugueses.
Esperávamos do homem que, mais tarde, viria a dizer que "devemos preferir a respiração pausada de uma democracia madura, à respiração ofegante típica de uma democracia populista", que respirasse pausadamente. Mesmo com "a temperatura a subir". Até porque a oportunidade de Santos Silva de mostrar aos eleitores do Chega que há alternativas, e que a solução não passa por populismos, viria mais tarde. Mas aí já era tarde demais. É que, André Ventura, durante o seu discurso de 25 de abril, e ao ouvir apupos dos deputados, apressou-se de forma ofegante a dizer que "se Lula pode falar na Assembleia, o Ventura também pode". Como se se tivesse esquecido que umas horas antes tinha tentado impedir que Lula falasse na Assembleia da República.
No calor do momento tudo nos podia parecer desculpável, mas que dois dias depois Santos Silva viesse por o Chega de castigo, já nos parece que é de alguém que assumiu o papel paternalista. António Costa pode dizer que são os jornalistas que criam e alimentam o Chega, mas esse trabalho tem tido outro dono. Principalmente quando o presidente da Assembleia da República decide excluir os deputados do Chega das visitas a parlamentos estrangeiros. E não se trata da legitimidade para o fazer, mas sim da estratégia política por trás da decisão, que já suscitou dúvidas se Santos Silva andará em período pré-eleitoral. A presidente da Comissão da Transparência e do Estatuto dos Deputados, Alexandra Leitão (PS), adiantou ao SAPO24 que está a indagar junto do gabinete do presidente da Assembleia da República se este vai ou não pedir parecer quanto à decisão anunciada de não levar deputados do Chega a visitas a outros parlamentos. No entanto, no entender da Comissão, a decisão compete única e exclusivamente a Augusto Santos Silva e não carece de parecer.
Que a política se faz nos bastidores todos já sabíamos, mas desta vez pudemos ser mirones de uma conversa que aconteceu depois de a temperatura ter subido, que apressou a Iniciativa Liberal a exigir um pedido de desculpas, e Santos Silva a garantir não ter insultado a IL e a recusa-se a pedir desculpa por o que considera ter sido "uma escuta ilegal", tendo já aberto um processo para encontrar os responsáveis do big brother democrático.
A Santos Silva pede-se que faça o que diz e que respire mais pausadamente, para que não tire ainda mais ar à já ofegante respiração do Chega. Que continue o "tipo gelado" que diz ser e que, aliás, tem mostrado ser na forma como conduz o Parlamento. Pede-se apenas que resista aos dias em que a temperatura sobe.
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