A morte, a função das histórias e a história das funções

Pedro Soares Botelho
Pedro Soares Botelho

Hoje o dia foi macabro. A cada hora, mais uma notícia a dar conta de mortes: no Reino Unido, no Chile, no Egito, na Catalunha, na Madeira. As causas são diversas, mas todas fazem com que o dia tenha um ar sombrio, macabro até. A newsletter do SAPO24 que hoje enviámos para os e-mails dos nossos leitores espelha isso mesmo.

Mas os jornalistas não dão apenas más notícias. Porque o jornalismo tem de ser também outra coisa. Prova disso é aquilo que têm feito pessoas como Germano Silva, que foi jornalista do 'Notícias'. O diário portuense, que por enquanto ainda habita a torre alta e castanha na Trindade, ainda vai acolhendo as suas histórias do Porto e dos portuenses. Amanhã, este homem que vem há anos contando a história do Porto, publica as histórias das profissões que quase desapareceram da Invicta.

São vários os ofícios da “cidade do trabalho” que desapareceram — ou se esconderam lá para as sombras do esquecimento. Em muitos casos, apesar do castiço encanto, ainda bem que o mundo andou nos seus pulos do progresso, avançando para que não mais se sujeitassem os corpos às desventuras de mesteres pesados.

É o caso das carquejeiras, ali nas Fontainhas, à beira da ponte do Infante. Já morreram todas. Sobra a filha da Palmira, que Sara Barros Leitão homenageou recentemente na peça “Todos os dias me sujo de coisas eternas”, que contou histórias de mulheres, histórias de Porto e histórias dos encontros e desencontros da cidade e das mulheres.

Palmira subia a calçada com um balofo carregamento de carqueja às costas. Ia desde o rio aos fornos das padarias, que daquela planta seca se alimentavam, acarretando o peso, seguro nas costas por uma fita à roda da testa. Tinham de ser elas, as mulheres do Porto, a fazê-lo porque os regulamentos proibiam tal sofrimento aos animais.

Germano Silva conta outras histórias, desde as leiteiras que deitavam água ao leite, ao ardina, que a cidade eternizou numa esquina da praça da Liberdade. O lançamento de Porto, Profissões (quase) desaparecidas está marcado para sexta, dia 26, às 17:30, na Reitoria da Universidade do Porto (ali na praça dos Leões).

Além de uma conversa com Pedro Olavo Simões, coordenador editorial da revista Jornal de Notícias – História, a editora promete “uma muito especial participação do Rancho Folclórico do Porto, que irá assegurar a presença de muitos dos ofícios retratados neste livro”.

Ainda nas notícias, apesar de não ser uma profissão esquecida, vale a pena lembrar que a RTP celebra nesta altura o 60.º aniversário no Porto. A emissora pública não está, na verdade, na Invicta, antes, no Monte da Virgem, em Vila Nova de Gaia, mas a comemoração de hoje é uma lembrança da vitalidade.

Numa altura em que as redações se contraem e se limitam à capital, o Porto — segunda maior cidade do país — tem um pequeno ecossistema de delegações e correspondentes (o que deixa antever o cenário em todas as outras capitais de distrito e regiões autónomas).

Veio gente de longe para ver a televisão pública. Olhando para a "magia" por trás do ecrã, novos e velhos entusiasmavam-se diante das figuras que lhes acompanham os dias. "É tão bonita, tão elegante", dizia uma senhora no estúdio do programa da manhã daquele canal, olhando para a apresentadora Sónia Araújo.

E o fascínio, de ver a pivot do jornal das 11, ali no inóspito estúdio verde, sem companhia ou perturbação, debaixo das luzes a olhar para o vazio do tubo das câmaras? Sou suspeito: ando nisto. Pelo que pensar o jornalismo, ou olhar para ele, sempre me deixa empolgado. Mesmo quando se procuram soluções para os problemas de que nos esquecemos.

Hoje o dia foi assim, triste, nas montras dos jornais. O jornalismo também é contar o negrume e o mau do mundo. Mas nos entretantos, nos fins das ruas e nos fins dos mundos (para citar a telefonia), há lá as outras histórias, esses instantes em que só quem olha repara — instantes que merecem ser também contados, para que no meio das nuvens surjam os sorrisos duma idosa que veio de Guimarães para ver a RTP por dentro. Dela e das outras todas: as novas, as velhas, as fascinadas e as desconfiadas.

Eu sou o Pedro Soares Botelho e hoje o dia foi assim.

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