As propinas que a geração rasca pede à geração à rasca

Pedro Soares Botelho
Pedro Soares Botelho

Nos anos 1990, estudantes do ensino secundário e superior reclamavam nas ruas contra duas coisas: as provas globais no secundário, e as propinas no superior. Quase três décadas passadas, a geração que Vicente Jorge Silva temeu ser “rasca” chumba no parlamento o fim das propinas que deixam os jovens de hoje “à rasca”.

Se no passado fim de semana ficámos a conhecer os resultados da primeira fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior público, durante esta semana, a entidade que financia a ciência em Portugal — FCT — divulgou (com polémica) aos candidatos os resultados provisórios do concurso de bolsas de doutoramento deste ano.

O acesso à formação superior faz-se de concursos — seja para entrar, seja para conseguir pagar os valores exigidos nas instituições públicas e continuar a estudar. E se nas licenciaturas os valores têm sofrido descidas nos últimos anos, no caso dos mestrados e doutoramentos as propinas têm vindo a ser atualizadas em alta — a atual Lei de Financiamento do Ensino Superior estabelece limites para as propinas relativas às licenciaturas e mestrados integrados, mas permite às instituições decidir sobre os valores a aplicar nos restantes ciclos de estudo.

É disso que se queixa, por exemplo, um grupo de estudantes da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP). Os mestrandos anunciaram hoje que vão concentrar-se em protesto contra o aumento do valor das propinas de mestrado junto à Reitoria na próxima terça-feira. Em comunicado de imprensa, os alunos de mestrado da FCUP consideram que o aumento das propinas foi “brutal” e “sem qualquer tipo de divulgação para os estudantes”.

Segundo os estudantes, as propinas de mestrado aumentaram este ano letivo, “sem que houvesse esclarecimento ou aviso prévio”. Assim, os alunos nacionais que passaram para o segundo ano viram as propinas aumentar entre 50 euros e 375 euros, com os os mestrados de Biologia Celular e Molecular, Bioinformática, Biologia Computacional, Ciência de Dados (Data Science) e de Segurança Informática a ser os mais “afetados”, descrevem.

“Esta decisão irá pôr em risco a educação e frequência universitária de muitos estudantes e limitar o seu acesso a vários ciclos de estudo, por falta de capacidade para suportar estes aumentos”, lamentam. Para os alunos, “esta medida contribui para o aumento da desigualdade económica dos alunos mais carenciados e limita o acesso e a igualdade de oportunidades, que se poderá refletir no seu sucesso no mundo de trabalho”.

Acrescentam que a situação foi ainda “mais dramática para os estudantes internacionais e internacionais CPLP que viram as suas propinas aumentadas em 1687,5 euros e 1312,5 euros, respetivamente”. Segundo a universidade, nos 34 mestrados existentes na FCUP, cinco não sofreram alteração de valor, ficando-se entre os 871 euros e os 1.250 euros de propina anual.

Assim, houve 23 mestrados que tiveram um aumento de 50 euros anuais, ficando nos 1.300 euros de propina, e outros seis mestrados que registam um aumento superior, de 180 euros ou 375 euros, fixando a propina nos 1.430 euros e 1.625 euros anuais.

Esta quinta-feira, as propinas no ensino superior voltaram a estar em debate no parlamento. O tema foi levado à Assembleia da República através de três projetos de lei que propõem diferentes limitações ao valor das propinas nas instituições de ensino superior: o BE sugere a fixação de um teto máximo para os mestrados e doutoramentos, o PAN que se limitem as alterações e o PCP volta a pedir o fim das propinas.

Durante a discussão, os três partidos partilharam argumentos para justificar as diferentes propostas, concordando na ideia de que as propinas criam desigualdades no acesso ao ensino. Afinal, “as propinas são um muro que foi sendo erguido ao longo de décadas. Em vez de progressivamente gratuito, o ensino superior veio-se tornando progressivamente mais caro”, criticou a deputada do PCP Alma Rivera.

Do lado do BE, o projeto de lei apresentado não vai tão longe e, em vez de propor a suspensão das propinas, atualmente fixadas em 697 euros para licenciaturas e mestrados integrados, o partido olha em particular para os valores praticados nos 2.º e 3.º ciclos (mestrados e doutoramentos).

“Analisando o panorama nacional e internacional do emprego, é cada vez mais essencial a obtenção de um mestrado ou de um doutoramento. Essa pressão é hoje utilizada por algumas universidades não como argumento para democratizar o acesso a estes ciclos de estudo, mas sim para os tornar inacessíveis financeiramente à maioria da população”, sublinhou Luís Monteiro.

O deputado do BE citou até alguns exemplos: o Instituto Superior de Economia e Gestão, onde um mestrado em “Accounting” tem um custo de cerca de 6.850, ou a Nova School of Business and Economics, onde um mestrado em Gestão custa quase 12 mil euros.

Segundo Luís Monteiro, ao problema dos valores praticados por algumas instituições acresce ainda a alteração do custo das propinas que, em alguns casos, tem implicações a meio do ciclo de estudos e é sobre esta questão que se debruça a proposta do PAN.

“Não é transparente nem eticamente defensável criarem-se condições de partida que depois colocam em causa as opções, as expectativas e os investimentos dos estudantes e das famílias. Não se podem mudar as regras a meio do jogo”, sublinhou a deputada Bebiana Cunha.

À direita, porém, os partidos não acompanham nenhum dos projetos de lei e a deputada do CDS-PP Ana Rita Bessa aproveitou o debate para lançar críticas ao BE, PCP e PAN: “Não é possível e não é sério apresentar esta discussão olhando apenas para um lado da equação que é o lado da procura. Há que também olhar para o lado da oferta e do seu financiamento”, referiu, afirmando que todos os partidos conhecem os problemas de subfinanciamento que têm vindo a ser relatados pelas instituições.

Por outro lado, acrescenta a deputada centrista, as propostas parecem ignorar que o instrumento que garante a igualdade no acesso ao ensino superior é a ação social escolar, um argumento rejeitado por Luís Monteiro, do BE, que lembrou que as bolsas de estudo são manifestamente insuficientes para suportar os custos dos mestrados e doutoramentos.

Mais do que comentar os projetos em discussão, o PS recordou as medidas do atual Governo, em particular a redução do valor das propinas, que em 2015 estava fixado em 1.063 euros, e do reforço do ação social escolar. “O grupo parlamentar do PS defende o acesso e a frequência do ensino superior de forma democratizada, mas lembramos que há um grande número de propostas que têm de ser consolidadas e que garantirão um valor inestimável a este setor da sociedade”, referiu a deputada socialista Alexandra Tavares de Moura.

Já esta sexta-feira, o parlamento aprovou na generalidade o projeto-lei do PAN, mas deixou pelo caminho, com votos contra de PS e PSD, os projetos do BE e do PCP. Depois dos gritos que valeram aos jovens dos anos 90 o epíteto de “geração rasca”, parece que se esfumam as reivindicações antigas nas arcadas de São Bento, com os contemporâneos desses alunos de então a ignorar hoje o que se defendia na altura.

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