Vitalina Varela ou como ser triste para procurar a felicidade (nos Oscars)

Pedro Soares Botelho
Pedro Soares Botelho

Vitalina Varela chegou a Portugal três dias depois do funeral do marido. Joaquim morreu. Vitalina, que toda a vida esperou para aqui vir, só o conseguiu fazer quando já estava sozinha. Vitalina Varela é um buraco escuro, meticulosamente iluminado pelo rigor técnico de Pedro Costa.

Não é um filme simples. Não é um filme evidente. É autorreferencial, é fechado. É uma história que não se conta, mas que se nota nos pormenores, no ruído constante, na indelicada delicadeza da morte pobre, da velhice podre. Da solidão. Da dor. Do trabalho.

Vitalina Varela não é um blockbuster. Mas quando Salvador Sobral foi para o palco da Eurovisão também não levou a última tendência da pop internacional. À sua maneira, Pedro Costa faz essa balada dos sentimentos no grande ecrã. E, por essa razão, o filme que a Academia Portuguesa do Cinema se viu obrigada a levar aos cobiçados Oscars pode ser esse trunfo. Porque é também ele um retrato meticuloso de Portugal — mas de um Portugal que não gosta de se reconhecer: o país das asas precárias, da pobreza racista, da degradação da velhice esquecida.

Não tive ainda a oportunidade de ver "Listen", de Ana Rocha de Sousa. Mas pude ver, no Porto/Post/Doc, no ano passado, Vitalina Varela. E só isso é já condição suficiente para ser o filme de Pedro Costa o candidato português. Vitalina Varela é um assombro, é um golpe, uma chapada. Vitalina Varela é dor. Mas é tudo isto e é força também, é mistério, é derrota e sonho.

A longa-metragem teve estreia mundial em agosto do ano passado no Festival de Cinema de Locarno, na Suíça, onde arrecadou os principais prémios: Leopardo de Ouro e Leopardo de melhor interpretação feminina. Desde então, tem sido exibido e tem recebido vários prémios em diversos festivais internacionais de cinema.

Mas como é que chegamos aqui e porque dedico uma crónica ao filme de Pedro Costa?

Após a exclusão de "Listen", comunicada na passada sexta-feira dia 18, procedeu-se a uma segunda votação entre os membros da Academia Portuguesa de Cinema, no sentido de garantir nova oportunidade de voto a todos os que haviam selecionado o filme na primeira votação, "assegurando a maior representatividade possível na escolha do candidato de Portugal", indicou a APC, em comunicado.

“O ‘International Feature Film Executive Comittee’ considerou a candidatura não elegível e solicita o envio de um novo candidato com a máxima urgência possível”, pode ler-se ainda no comunicado da academia. A APC realçou que "o fator de exclusão prende-se com um dos critérios de elegibilidade que obriga a que pelo menos 50% do filme candidato seja falado em língua não-inglesa".

"Listen" tinha sido o mais votado entre os membros da APC, numa escolha entre quatro filmes portugueses propostos a discussão: "Listen", de Ana Rocha de Sousa, "Mosquito", de João Nuno Pinto, "Patrick", de Gonçalo Waddington, e "Vitalina Varela", de Pedro Costa. Estes três últimos filmes voltaram a ser colocados à escolha, numa votação que decorreu entre as 00:00 de sexta-feira e as 23:59 de domingo.

A 93.ª edição dos Óscares, prémios norte-americanos de cinema, está marcada para 25 de abril de 2021, em Los Angeles, nos Estados Unidos. As nomeações para os Óscares serão conhecidas em março.

Depois de um ano atípico, com o colapso dos pobres e a ascensão dos ricos; com vírus mutantes e nacionalismos galopantes, Vitalina Varela pode muito bem ser um silencioso grito. Poderá ser que ninguém o ouça. Que ninguém o compreenda. Que ninguém entenda o Ventura e a voz rugida entre os dentes.

Há oito anos, estava previsto o fim do mundo para este dia. Os Maias, lá no seu posto de observação no sul da América, previram o fim dos tempos e das civilizações para o solstício de inverno de 2012. Roland Emmerich até pegou nisso e reinventou a Arca de Noé, enfiando-a nos Himalaias, num filme que é sempre divertido de revisitar.

O fim do mundo é sempre outra coisa. Hoje, para mais 57 portugueses chegou o fim do mundo 8morreram de covid-19). O fim do mundo são mudanças, lentas ou abruptas, que tornam o hoje numa coisa irremediavelmente diferente. Nestes tempos do fim dos tempos, a purga mental pode ser feita mergulhando ao degredo. Como quando estamos tristes e ouvimos músicas tristes, para mergulhar completamente num estado de decadência emocional.

Menos com menos dá mais, ensina a matemática. A ausência que Vitalina Varela constrói é o mais de que Portugal precisa para não se esquecer de quem é. E é a tristeza de que o triste ano de 2021 precisa para não se esquecer de onde veio.

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