Vacinas, uma lição sobre otimismo e o que realmente podemos esperar de 2021

António Moura dos Santos
António Moura dos Santos

Encarar o atual desafio de vacinação contra a covid-19 requer dose dupla de reflexão quanto à forma como este tem vindo a ser encarado por todos nós.

Quando a pandemia irrompeu pelo mundo, dificilmente se esperava que uma vacina — algo que, em média, vinha a durar entre cinco a dez anos a ser criada em segurança — viesse a estar disponível em sensivelmente um ano. Mas foi o que aconteceu e os dias após o Natal foram marcados pelo otimismo de ver as primeiras pessoas serem vacinadas.

Dê-se graças à ciência e aos seus praticantes, que implementando a tecnologia do RNA mensageiro, conseguiram acelerar um processo a um nível nunca antes visto. O mundo parecia respirar de alívio.

Hoje, esse otimismo teve de ser matizado com doses generosas de prudência e até um certo ceticismo. Isto porque a indústria não acompanhou a ciência: há vacinas, só não há a capacidade de produzi-las como se esperava e os laboratórios já avisaram que não vão conseguir entregar as doses acordadas para o primeiro trimestre do ano. Tal facto não só cria pressão para as farmacêuticas que se comprometeram com as entregas, como para os Governos que se vêem agora incapazes de cumprir as promessas que fizeram aos seus cidadãos.

Essa admissão foi feita pela presidente da Comissão Europeia no passado dia 10. “Fomos demasiado otimistas na produção de vacinas e talvez tenhamos mostrado uma confiança de que o produto iria chegar atempadamente e, portanto, temos de tirar ilações”, disse Ursula Von der Leyen ao Parlamento Europeu, já que as “dificuldades da produção em grande escala destas vacinas” foram subestimadas.

É perante este estado de coisas que a Hungria, por exemplo, rompeu com os restantes estados-membro e já começou a vacinar com a vacina russa, a Sputnik V. Para tentar conter esta convulsão que ameaça alastrar-se pelo espaço comum, hoje soubemos que o comissário europeu do Mercado Interno, Thierry Breton, vai continuar — já o tinha feito com a AstraZeneca — a visitar fabricantes de vacinas contra a covid-19 para tentar acelerar o processo.

Por cá, o Governo já foi forçado a amenizar a situação e tentar evitar que os atrasos se tornem um problema político ou sejam percecionados como um erro do executivo. Após o Conselho de Ministros da passada quinta-feira, António Costa repetiu a ideia já proferida pelo novo coordenador da task force do plano de vacinação contra a covid-19, o vice-almirante Henrique Gouveia Melo, recordando que este "não é [um problema] nem de distribuição nem de recursos humanos suficientes para a administração da vacina", mas sim de disponibilidade.

Também por isso, foi preciso emendar o plano de vacinação inicialmente definido pelo Governo. Anunciado em dezembro passado, este previa que, nos primeiros três meses do ano, seriam entregues mais de quatro milhões de doses. Com estes números, seria possível vacinar mais de dois milhões de pessoas em Portugal nesse mesmo espaço de tempo.

“No nosso caso, em vez dos 4,4 milhões de doses, vamos receber neste primeiro trimestre 1,9 milhões de doses. O que significa que a nossa capacidade de vacinação neste primeiro trimestre vai ser cerca de metade daquilo que estava previsto nos contratos assinados entre as farmacêuticas e a Comissão Europeia", sublinhou Costa.

Com novas circunstâncias, é preciso definir novos objetivos. É por isso que o primeiro-ministro — em visita ao Quartel de Conde de Lippe, em Lisboa, para assistir ao início da vacinação de 20 mil agentes das forças de segurança — definiu hoje uma nova meta: 1,4 milhões de portugueses vacinados até abril.

Para já, sabemos que 500 mil vacinas já foram administradas, e o próximo passo foi também anunciado por António Costa. Terminando a sua agenda para o dia, o primeiro-ministro disse no final da visita a uma Unidade de Saúde Familiar do Areeiro que, na próxima semana, haverá um reforço de cem mil vacinas para administrar aos idosos com mais de 80 anos e às pessoas com mais de 50 anos e doenças associadas.

Os atrasos sucedem-se, as dificuldades também, mas ainda assim o Governo, ao lado da União Europeia, não desarma daquilo que é o seu objetivo último para o ano: ter 70% da população vacinada até ao fim do verão. No entanto, esse plano também pode falhar, especialmente dado o atraso o bloco comunitário.

Verificando os dados mais recentes reportados quanto ao ritmo de vacinação a nível mundial, a União Europeia, no seu todo, ainda só vacinou 4,52% da sua população, um número francamente pálido face aos EUA (14,02%), ao Reino Unido (21,42%) e a Israel (71,20%).

Tal atraso não antevê boas perspetivas para o verão e vozes críticas começam a levantar-se quanto à forma como von der Leyen conduziu os contratos de compra, focando-se mais em pagar pouco do que em garantir muito, e como o conhecido excesso de burocracia da União veio dificultar o processo. O mal já parece estar feito e a UE, não querendo romper as patentes intelectuais dos laboratórios, pretende agora fomentar contratos de licenciamento para que outras empresas possam produzir vacinas, como a Sanofi junto da Pfizer e agora a IDT Biologika com a AstraZeneca, que acordou com a alemã.

Tudo isto, porém, não é garante de que as metas prometidas sejam cumpridas. António Costa sabe-o.“Até ao final do verão temos um longo percurso, ainda estamos no inverno, ainda não chegámos sequer à primavera”, alertou. É caso para ficar alerta.

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