ANMP: A questão portuense
A noite passada, a Assembleia Municipal do Porto aprovou a saída da autarquia da Associação Nacional de Municípios com os votos favoráveis dos independentes liderados por Rui Moreira, CHEGA e PSD e contra de BE, PS, CDU e PAN. O Douro correu a fugir do Tejo e desde então as reações à cisão sucedem-se.
O presidente da câmara do Porto, Rui Moreira, fez conhecer a sua vontade de abandonar este organismo a 12 de abril, altura em que disse que não se sentia em "condições" para passar "um cheque em branco" à ANMP para negociar com o governo a transferência de competências. Na proposta agora votada, Moreira considera ser "total" o "fracasso" da ANMP em representar os municípios no processo de descentralização de competências do Estado.
Numa sala em Bruxelas, António Costa recusou comentar a situação, avisando que não fala da política nacional quando está fora do território português. Porém, ao longo desta terça-feira, foram várias as reações — e alguns anúncios: há pelo menos outros três concelhos (Póvoa de Varzim, Pinhel e Trofa) a pensar seguir pelo mesmo caminho e deixar o organismo liderado pela socialista Luísa Salgueiro (presidente da câmara municipal de Matosinhos).
O presidente do Conselho Regional do Norte considerou ainda de madrugada que o Porto “a muito curto prazo ficará menos forte” sem a Associação Nacional de Municípios e que esta não é altura de “entrar em aventureirismos nem em carreiras mais particulares”. Miguel Alves defendeu ser necessário “fomentar o espírito de grupo” para que os municípios sejam “mais fortes e mais capazes de estar na mesa de negociações como governo da República” o processo de descentralização de competências.
Miguel Alves apontou ainda que “quando a Assembleia Municipal do Porto decide que o Porto deve sair da ANMP, isso pressupõe que haja uma instância a dialogar com o governo sobre os mais variados temas, não é viável que 308 municípios dialoguem bilateralmente com o governo e não é viável que haja regras específicas para uns municípios e regras diferentes”. “Não acredito que o Governo agora ceda e dialogue agora diretamente com o Porto sobre esta matéria e ao lado estar a dialogar com a ANMP e criar regras e critérios diferentes”, concluiu.
É também isso que acha o vice-presidente da ANMP: “Pergunto em que é o Porto sai mais forte com isto? Imagina o Porto que vai ter um regime de exceção porque saiu da ANMP?”, questionou Rui Santos, que também é presidente da câmara de Vila Real.
“Acho que o Porto, que, por exemplo, também não faz parte da empresa Águas do Norte, nos últimos anos tem seguido um caminho que é preocupante, que é um caminho de isolamento e que, quando não manda, não decide, não lidera, resolve sair e isso deixa-me preocupado relativamente ao futuro próximo e a projetos conjuntos que a região deveria pugnar”, afirmou à agência Lusa o autarca.
“Acho que fica claro que o Norte não pode aceitar trocar o centralismo de Lisboa pelo Portocentrismo. Relativamente à regionalização, é uma convicção que vai crescendo a cada dia que passa. Devemos ter o Porto e a Área Metropolitana de um lado e o resto da região Norte do outro”, frisou. E continuou: “Sendo o Porto muito importante e sendo o doutor Rui Moreira um político de mão cheia, prefere jogar sozinho do que jogar em equipa”.
Viana do Castelo concorda: Rui Moreira “desistiu de ser a voz reivindicativa e ativa do Norte” e contribuiu para a “página mais escura e triste da história do Porto”. “Não existem processos perfeitos, nem modelos de descentralização imaculados. Defendo uma implementação acompanhada e dialogada, avaliada e dinamicamente melhorada, porque não existem métodos fáceis para resolver situações complexas”, sustentou o socialista Luís Nobre.
Não se trata, todavia, de uma questão de PS contra os outros. Em Braga, Ricardo Rio, autarca social-democrata, disse respeitar a decisão do Porto de abandonar a Associação Nacional de Municípios Portugueses , mas sublinhou que a liderança de Luísa Salgueiro “merecia um voto de confiança por mais algum tempo”.
Em declarações à Lusa, Ricardo Rio acrescentou que a ANMP está, “aparentemente, a viver um momento de alguma reativação, depois de alguns anos de inércia total”. “Porventura, a equipa de Luísa Salgueiro merecia esse voto de confiança por mais algum tempo, para se perceber se a sua capacidade de interlocução com o governo e de defesa dos interesses das autarquias e das pessoas será diferente, como aparentemente está a ser, daquele que se verificou num passado recente”, referiu — isto embora a distrital do PSD precisamente de Braga ache outra coisa: o líder, Paulo Cunha, considerou “perfeitamente compreensível” a saída do Porto da ANMP, sublinhando que este organismo se transformou numa “caixa de ressonância dos sucessivos governos”.
Tratar-se-á daquilo a que o presidente da câmara da Póvoa de Varzim, Aires Pereira, diz ser um “movimento de contestação crescente”, que pode “colocar em causa” o propósito da ANMP. O autarca poveiro, que está a ponderar também a saída do município, numa posição de desagrado pela forma como a associação negociou com o governo o processo de descentralização, apontou que “decisão [de saída] tomada pelo Porto é um espelho da insatisfação dos municípios”.
Em Belém, Marcelo Rebelo de Sousa recebeu os autarcas de todo o país (já ia receber). O presidente da República abordou o tema e pediu para “descomprimir aquilo que se pode transformar numa realidade mais complicada”. "Os portugueses esperam que, dentro do bom senso e do contexto existente, todos contribuam para uma boa solução – não é a ideal, é a possível".
O chefe de Estado abordou diretamente este tema, considerando que "era um pouco estranho" se não o fizesse hoje. Afinal, "era fazer de conta de que o presidente da República não sabia o que se passava em Portugal". Assim, afirmou que o que lhe parece que razoável é, naturalmente, esperar da parte do governo abertura a tomar em linha de conta que a transferência de atribuições e de competências tem de ser acompanhada dos recursos para essa transferência".
"Não se pede milagres, mas pede-se que [o governo] faça o que está ao seu alcance para que o diálogo com autarcas, nomeadamente com a associação representativa dos municípios portugueses e a associação representativa das freguesias portuguesas".
Depois, referindo-se à ANMP, o chefe de Estado pediu aos autarcas que "ponderem bem, respeitando as posições legítimas de cada qual", e procurem "encontrar as pontes institucionais para não deitar fora o peso de uma instituição que demorou muito tempo a construir nem os esforços de unidade dentro dela e permitir-se ser um interlocutor que possa apresentar resultados aos seus associados".
Segundo o presidente da República, há que "fazer isto o mais rápido possível", tendo em conta que "o processo orçamental tem prazos", e porque "há tempos em política que não se deve ultrapassar, porque uma vez ultrapassados há uma tentação enorme de cada qual por si e Deus por todos, nos crentes, ou cada qual por si e o acaso, a fortuna, o destino por todos". "E este é o momento em que isso não faz sentido nenhum, francamente. E temos, portanto, umas semanas, uns escassos meses para descomprimir aquilo que se pode transformar numa realidade mais complicada, em que cada qual fica na sua posição, vai acirrando a sua posição e tornando difícil o diálogo", prosseguiu.
Antes, a presidente da Associação Nacional de Municípios depositou a confiança no presidente da República para que “continue a ser o garante de uma unidade nacional”, para avançar com “processos decisivos” como a descentralização e a regionalização "neste tempo que vivemos, porque este é o tempo certo”.
“A ANMP, que aqui com muita honra represento, existe para que a voz dos municípios, independentemente da sua dimensão populacional ou da sua localização no território, seja amplificada em benefício dos portugueses”, declarou Luísa Salgueiro, realçando o papel da associação na defesa e promoção da coesão territorial, que está atenta à correção das assimetrias que conduzem a fenómenos de desigualdade.
Sem falar sobre a saída do município do Porto da ANMP, a presidente da associação reconheceu que “nem sempre é fácil” conciliar os interesses diversos e legítimos dos municípios quando as realidades de cada um deles podem ser tão distintas: “Se fosse tão fácil, não estaríamos tão empenhados em conquistar para os municípios portugueses as condições justas”.
Há quem acuse Rui Moreira de cometer “um erro”, há quem apele à necessidade de “mais consensos e menos roturas”. De norte a sul, as reações vão chegando, sem se saber ainda o que vai acontecer agora entre a segunda cidade de Portugal e a associação que junta todas as outras que não têm direito a epítetos.
*Com Lusa
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