Tema em banho-maria ao longo de 2020, a panela onde se têm cozinhado as próximas eleições presidenciais — que deverão ocorrer em janeiro do próximo ano — entrou em ebulição nestes últimos dias e respingaram algumas novidades:
- Primeiro, como a equipa que ganha (ou, pelo menos, tem bons resultados) não mexe, o Bloco de Esquerda confirmou no passado sábado que Marisa Matias vai voltar a concorrer às presidenciais. Recorde-se que a eurodeputada e dirigente do BE conseguiu em 2016 o melhor resultado de sempre de um candidato da área política bloquista, ficando em terceiro lugar, com 10,12% dos votos.
- Depois, foi Ana Gomes, a ex-eurodeputada do PS, que ontem pôs fim ao mistério — a socialista chegou mesmo a distanciar-se de uma possível plataforma em seu nome — e oficializou a sua candidatura numa comunicação ao jornal Público.
- Ao fim da tarde de hoje, nova surpresa. Vitorino Silva, mais conhecido por Tino de Rans, confirmou à agência Lusa que vai de novo concorrer, depois de também ter ido a votos nas últimas presidenciais. O candidato, contudo, já fez saber que quer que as eleições decorram na primavera devido à pandemia.
Estes pré-candidatos juntam-se assim a André Ventura, pelo Chega, a Tiago Mayan, pelo Iniciativa Liberal, e Bruno Fialho, do Partido Democrático Republicano.
São seis, para já, mas sabemos que outras duas pré-candidaturas oficializar-se-ão em breve: nesta quinta-feira, o ex-militante do CDS Orlando Cruz vai fazer a sua apresentação (será a quarta que faz, nunca tendo chegado a formalizá-las); já no sábado, o PCP vai apresentar o seu candidato.
Ora, se esta aritmética não estiver errada, são, para já, oito os pré-candidatos. Sublinhe-se o “pré”, já que as candidaturas a Presidente da República só são válidas depois de formalmente aceites pelo Tribunal Constitucional e após a apresentação e verificação de um mínimo de 7.500 e um máximo de 15.000 assinaturas de cidadãos eleitores, até trinta dias antes da data da eleição.
Dentro de todos estes nomes, há uma omissão talvez mais ruidosa do que todas as candidaturas juntas. Se o PSD e o CDS-PP ainda não apresentaram nomes — apesar de Miguel Albuquerque ainda não ter descartado as suas intenções pelo PSD/Madeira —, é porque estão à espera que o “seu candidato” confirme a vontade de se recandidatar.
Hoje foi o último dia em que Marcelo Rebelo de Sousa pôde dissolver a Assembleia da República, sinal de que o seu mandato se aproxima do fim. No entanto, o Presidente da República tem repetido uma e outra vez que só mais para o meio do outono é que se pronuncia oficialmente sobre uma recandidatura.
No entanto, enquanto tal não acontece, não só cresce a incerteza como a instabilidade, particularmente no seio do PS e especialmente depois do anúncio de Ana Gomes.
Toda esta situação remonta à ida de Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa em conjunto à fábrica da Autoeuropa a 13 de maio. Na altura, o primeiro-ministro, falando enquanto tal, disse que fazia tenções de regressar a Palmela no próximo mandato do atual Presidente da República. Por outras palavras, Costa pareceu subentender o seu apoio a Marcelo para a reeleição.
O episódio mereceu críticas de vários quadrantes — em particular por dar a entender que primeiro-ministro e Presidente da República tinham um entendimento de regime quanto a candidaturas —, sendo uma das mais virulentas a de Ana Gomes.
Na altura, no seu espaço de comentário na SIC Notícias, a agora candidata socialista disse desde logo ter pensado em candidatar-se, caracterizando o episódio na Autoeuropa como "absolutamente lamentável, deprimente mesmo" e "perigoso para a democracia", devendo provocar "uma reflexão" da sua parte e de todos os democratas, porque "de facto mudou muita coisa". Ana Gomes disse também que Costa "não estava na qualidade sequer de dirigente partidário, mas na qualidade de primeiro-ministro" e observou que "a democracia não está suspensa", mas "parece que alguns pensam que está suspensa no PS" — o que lhe valeu uma reprimenda do Largo do Rato.
À luz da atualidade, essas declarações põem agora a nu o problema com que o PS se volta a deparar. Se em 2016 o apoio dos socialistas pulverizou-se entre Maria de Belém, Sampaio da Nóvoa e Marcelo Rebelo de Sousa, em 2021 é possível que haja de novo divisões no seio das hostes do PS.
De um lado, Ana Gomes recebeu já o apoio do antigo líder parlamentar e ex-eurodeputado socialista Francisco Assis, do líder da tendência minoritária dentro da Comissão Política do PS, Daniel Adrião, e do ex-dirigente socialista Henrique Neto. Para além disso, um dos nomes fortes do Governo (e do PS), Pedro Nuno Santos, expressou publicamente que não votaria num candidato de direita.
Por outro, não só o diferendo acima descrito demonstra o mal-estar entre Ana Gomes e a direção do PS, como figuras como Ferro Rodrigues já manifestaram intenções de votar em Marcelo caso este se candidate. Até António Costa, não exprimindo apoio ao Presidente da República e prometendo “recato” durante a campanha, disse que a não recandidatura seria “um problema grave no conjunto do país".
A indecisão começa a ter manifestações públicas, como a de Manuel Alegre, e a tensão não cessará tão cedo. Pelo menos, até Marcelo se decidir.
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