O político da oposição russa Alexei Navalny, um crítico de Vladimir Putin, morreu esta sexta-feira. A Rússia não sabe o que pensar, mas para o mundo só existe um culpado evidente: o presidente russo.

Como morreu Navalny?

Não se sabe ao certo. Porém, de acordo com um comunicado publicado no seu site, o Serviço Penitenciário Federal do Distrito Autónomo de Yamalo-Nenets refere que "a 16 de fevereiro de 2024, na colónia penal n.º 3, o condenado AA Navalny sentiu-se mal após uma caminhada, perdendo quase imediatamente a consciência".

“Os profissionais médicos da instalação chegaram imediatamente ao local e uma equipa médica de emergência foi chamada. Todas as medidas de reanimação necessárias foram realizadas, mas não produziram resultados positivos", acrescentam.

"Médicos de emergência confirmaram a morte do condenado. As causas da morte foram estabelecidas", dizem ainda.

Ao receber esta informação, o porta-voz do governo russo Dmitry Peskov informou que o serviço penitenciário federal está a fazer todas as verificações necessárias relativamente à morte do opositor político.

Já Leonid Volkov, chefe de gabinete de Alexei Navalny, disse nas redes sociais não ter tido confirmação de que o crítico de Putin morreu e que a declaração do serviço penitenciário poderia ser interpretada como uma “confissão” de que mataram deliberadamente Navalny.

Como reagiu o mundo?

O primeiro a reagir foi o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, que falou aos jornalistas.

"Hoje os meus pensamentos estão com a sua família e os seus amigos", disse. Descreveu também Alexei Navalny como um "homem que lutou pela democracia e pela liberdade" na Rússia "durante tantos anos."

"É importante apurar todos os factos. O que sabemos é que a Rússia tem exercido um poder cada vez mais totalitário contra os opositores de Putin", disse também.

Mais tarde seria a vez da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, recorrer à rede social X (antigo Twitter) e sublinhar estar "profundamente perturbada e entristecida com a notícia da morte de Alexei Navalny".

"Putin não teme nada mais do que a dissidência do seu próprio povo. Um lembrete sombrio do que são Putin e o seu regime. Vamos unir-nos na nossa luta para salvaguardar a liberdade e a segurança daqueles que se atrevem a enfrentar a autocracia", apelou.

Um sentimento, acompanhado também por Rishi Sunak, primeiro-ministro britânico, que também se referiu a este acontecimento como uma "notícia terrível".

"Sendo o mais feroz defensor da democracia russa, Alexei Navalny demonstrou uma coragem incrível ao longo da sua vida. Os meus pensamentos estão com a sua esposa e com o povo da Rússia, para quem esta é uma enorme tragédia", disse.

Já o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse aos jornalistas em conferência de imprensa na Alemanha que é “óbvio” que Vladimir Putin está diretamente por trás da morte de Alexei Navalny.

Citado pela Sky News, sublinhou ainda que o presidente russo não se importa com quem morre, desde que a sua posição à frente do Estado esteja segura.

Ao final do dia seria a vez do presidente norte-americano, Joe Biden, manifestar-se "indignado", mas "não surpreendido", com a notícia da morte do opositor russo Alexei Navalny, pela qual responsabilizou o homólogo russo, Vladimir Putin.

“Não se deixem enganar: Putin é responsável pela morte de Navalny”, disse o chefe de Estado, em declarações à imprensa.

Biden classificou Navalny como uma "voz poderosa pela verdade" mesmo a partir da prisão.

Também António Guterres, secretário-geral da ONU, diz estar "chocado" com a notícia da morte do opositor russo Alexei Navalny.

“O secretário-geral está chocado com a notícia da morte durante regime de detenção da figura da oposição Alexei Navalny”, disse o porta-voz de Guterres, Stéphane Dujarric, no decurso da sua conferência de imprensa diária na sede da ONU, em Nova Iorque.

“O secretário-geral expressa as suas condolências à família do senhor Navalny e apela a uma investigação completa, credível e transparente sobre as circunstâncias da reportada morte de Navalny sob custódia”, acrescenta.

Por cá, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, recorreu ao X e partilhou uma fotografia do antigo opositor.

"Presto homenagem a Alexei Navalny, que resistiu ao regime de Putin e lutou pela democracia na Rússia", disse o ministro português.

"Putin, que exerceu o seu poder arbitrário prendendo-o em circunstâncias cada vez mais draconianas, é responsável pela sua morte. Condolências à família e ao povo russo", acrescentou também.

Posteriormente, responsabilizou o presidente russo pela morte do opositor Alexei Navalny, assim como por muitas outras mortes, e admitiu a intensificação de sanções à Rússia.

“Temos aqui mais este caso trágico, de Alexei Navalny, uma figura de grande relevo na política russa, que teve a ousadia de desafiar Putin. Foi envenenado, esteve a recuperar durante algum tempo, quis regressar à Rússia, foi imediatamente preso e nos últimos tempos as notícias que fomos recebendo foram de prisões cada vez mais duras para Alexei Navalny, portanto é evidente que Putin é o responsável pela morte de Alexei Navalny, tal como é responsável por tantas outras mortes”, disse o governante em declarações à RTP3 a partir de Munique, na Alemanha.

Gomes Cravinho sublinhou que Putin é o responsável pelo regime que instituiu, “uma ditadura” que coloca sistematicamente “os seus opositores na prisão ou no exílio”.

“Em alguns casos vemos mortos, são muitas mortes de pessoas que, de uma maneira ou outra, se opuseram a Putin”, lamentou.

O que disse a família?

A mãe de Alexei Navalny disse ao jornal Russo Novaya Gazeta que viu o filho dia 12 e que estava "vivo, saudável e feliz". A Agência Reuters cita as palavras que Lyudmila Navalnaya escreveu ainda na sua página de Facebook: "Eu não quero ouvir condolências".

Já a mulher, Yulia, que estava na Cimeira de Segurança em Munique, fez uma aparição não programada para dizer, descrente: "Eu não sei se hei-de acreditar ou não nestas terríveis notícias que recebemos apenas do Governo Russo". E continuou: "já há muitos anos que não podemos confiar em Putin e no seu governo. Mentem sempre".

"Mas se for verdade, eu quero que Putin, e todos à sua volta, saibam que vão ser responsabilizados por tudo o que fizeram ao nosso país, à minha família. Esse dia está próximo", acrescentou.

Terminou com um apelo que, segundo a Sky News, levou a uma ovação de pé: "Quero pedir à comunidade internacional e às pessoas que se unam e vençam este diabo".

As reações na Rússia

Além de Dmitry Peskov, quando se soube a notícia, reagiram também o presidente da câmara baixa do Parlamento russo [Duma], Vyacheslav Volodin e a porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova.

O primeiro culpou os líderes da NATO, Estados Unidos, Ucrânia, Reino Unido e Alemanha pela morte do opositor.

“Os seus nomes são bem conhecidos: do secretário-geral da NATO [Jens Stoltenberg] e dos líderes americanos ao [alemão Olaf] Scholz, ao [britânico] Rishi Sunak e ao [ucraniano] Volodymyr Zelensky, todos são culpados pela morte de Navalny”, declarou Volodin no Telegram.

“São eles, com suas muitas decisões fracassadas (…) que beneficiam com a sua morte”, escreveu sem explicar esta acusação, mas reiterando a mensagem de que o Ocidente quer “destruir a Rússia”.

Já Zakharova sublinhou que: “A reação imediata dos líderes dos países da NATO à morte de Navalny, sob a forma de acusações diretas contra a Rússia, é autoexplicativa”.

“Ainda não há exame forense, mas as conclusões do Ocidente já estão prontas”, acrescentou, citada pela agência noticiosa russa Interfax.

Qual o legado de Navalny?

Para conhecer melhor o legado do opositor, talvez seja interessante passar os olhos pelo seu perfil elaborado por Francisco Sena Santos, publicado no SAPO24.

Quanto à biografia, sabe-se que Navalny tinha 47 anos e era conhecido como um dos críticos mais persistentes de Putin. Estava detido numa prisão a cerca de 65 quilómetros a norte do Círculo Polar Ártico, onde foi condenado a 19 anos sob um “regime especial”.

No início de dezembro, o opositor tinha desaparecido de uma prisão na região de Vladimir, onde cumpria uma pena de 30 anos por acusações de extremismo e fraude, que classificou como retribuição política por liderar a oposição anti-Kremlin até 2010. Não se esperava que fosse libertado durante a vida de Putin.

O antigo político ajudou a realizar os protestos de 2011-2012 na Rússia com uma campanha contra a fraude eleitoral e a corrupção governamental e uma investigação dentro círculo íntimo de Putin. Os seus vídeos com conclusões várias sobre diversas investigações tinham centenas de milhões de visualizações.

O ponto alto da sua carreira política aconteceu em 2013, quando obteve 27% dos votos numa eleição para presidente da Câmara de Moscovo que poucos acreditavam ser livre ou justa. Navalny continuou a incomodar o Kremlin, dando conta de um palácio construído no Mar Negro para uso pessoal de Putin, mansões e iates usados ​​pelo ex-presidente Dmitry Medvedev e uma trabalhadora do sexo que ligava um alto funcionário da política externa a um oligarca conhecido.

Em 2020, Navalny entrou em coma depois de uma suspeita de envenenamento com novichok pelo serviço de segurança FSB (Serviço Federal de Segurança) da Rússia e foi levado para a Alemanha para tratamento. Recuperou e voltou à Rússia em janeiro de 2021, onde foi preso sob a acusação de violação da liberdade condicional e condenado à primeira de várias penas de prisão que totalizariam mais de 30 anos atrás das grades.