O manto diáfano do deserto

Pedro Soares Botelho
Pedro Soares Botelho

O mundo anda feito penumbra. No leste europeu, a guerra prossegue, avança como sólida escuridão que mata, fere e destrói. Ao vigésimo dia da invasão russa da Ucrânia, são contados milhões de refugiados, centenas de mortos — pelo menos 97 são crianças.

Chegam imagens de explosões, de fogos, de colunas de fumo a esvair-se das ruínas das cidades ucranianas.

Por cá, também a escuridão — esta menos moral e mais prática. Ainda assim, é uma relíquia capaz de abrir caminhos ao pensamento: é um cenário incomparável, mas, por instantes, ver o céu tingido destas cores vindas do deserto, com este diáfano manto de poeiras que deixa o sol em tons de sépia, traz à ideia outras tensões.

Portugal não vive muito tempo sem os céus nestas cores, afinal, os incêndios são comuns na sua gigantesca dimensão. Porém, unidos pelo manto que corre de alto a baixo o continente, olhando para cima (pelo menos até quinta-feira), não se vê espelhado o azul, mas o leitoso laranja, bege, amarelado das dunas que imaginamos longínquas — embora a seca, com que também vivemos neste momento, nos recorde de que andamos mais perto das costas africanas que das costelas nubladas de Bruxelas.

Com a Península Ibérica e partes de França a levar com poeiras vindas do sul, as máscaras ganham renovada utilidade, agora frente a esta espécie de SAHARS-Pó-2 que suja as ruas, deixa o céu alaranjado — e pode ser prejudicial para a saúde.

A Direção-Geral da Saúde avisa: há que evitar esforços prolongados e limitar atividade física ao ar livre.

Devido à fraca qualidade do ar decorrente da massa de ar proveniente dos desertos do norte de África, que transporta grande quantidade de poeiras em suspensão, a DGS pede ainda à população para evitar exposição a fatores de risco, como fumo de tabaco ou contacto com produtos irritantes.

As partículas inaláveis transportadas pela massa de ar têm efeitos na saúde humana, principalmente na população mais sensível, crianças e idosos, que sempre que possível devem ficar em casa e com janelas fechadas. Segundo a DGS o conselho aplica-se por exemplo a pessoas com problemas respiratórios crónicos, como asma, e doentes do foro cardiovascular.

“Está a ocorrer uma intrusão de uma massa de ar proveniente dos desertos do Norte de África originado uma situação de fraca qualidade do ar com elevados níveis de partículas inaláveis (PM10)”, explicou a Agência Portuguesa do Ambiente (APA). A Lusa foi comparar dados e percebeu que a concentração de partículas que se verifica hoje, e que começou de norte para sul, é das mais intensas de sempre, segundo os valores que podem ser consultados na página da qualidade do ar da APA.

Debaixo de mantos de pó, camadas sombrias de guerra, aterros de temores, inflações e outras aflições, pode ser difícil procurar a esperança. Mas — e isto garanto eu — depois de todas as nuvens, depois de toda a bruma, trava e catarse, o céu há de estar azul.

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