Guterres anuncia digressão pela paz — mas nem todos estão contentes com as datas

António Moura dos Santos
António Moura dos Santos

Engrossando a lista de iniciativas para tentar pôr fim ao conflito, a Rússia confirmou esta sexta-feira ter aceite o pedido da ONU para que o seu secretário-geral visitasse Moscovo, sendo que a iniciativa do encontro partiu de António Guterres.

Em teoria, é um passo importante para a resolução da guerra — não só Guterres é, por inerência do cargo, o mais importante diplomata do mundo, como a visita pode servir para degelar a sua relação com Vladimir Putin, já que os dois não falam desde o início da invasão, como denunciou o Kremlin.

A viagem está marcada para a próxima terça-feira, 26 de abril, com o plano a consistir numa reunião de trabalho e um almoço com o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, e a receção de Putin.

No entanto, marcar uma viagem para — de acordo com a própria posição das Nações Unidas — visitar o agressor e não o agredido, cairia sempre mal. Como consequência, na véspera de se assinalarem dois meses desde o início da guerra na Ucrânia — espoletada pela invasão da Rússia —, o porta-voz de Guterres fez saber que o secretário-geral da ONU vai também a Kiev.

"O secretário-geral irá visitar a Ucrânia na próxima semana. Terá uma reunião de trabalho com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba, e será recebido pelo Presidente, Volodymyr Zelensky, a 28 de abril", constava na nota enviada.

No entanto, apesar de já constarem na agenda as duas visitas, a ordem em que se vão fazer também não foi consensual, merecendo o desagrado de Zelensky.

“É errado ir primeiro à Rússia e vir depois à Ucrânia. Não há justiça nem lógica nessa ordem”, afirmou Zelensky, numa conferência de imprensa decorrida esta tarde numa estação de metro no centro de Kiev. "A guerra está na Ucrânia, não há corpos nas ruas de Moscovo. Seria lógico ir primeiro à Ucrânia e ver as pessoas, ver as consequências da ocupação", antes de visitar a Rússia, defendeu o líder ucraniano.

É, portanto, um ambiente tenso aquele que aguarda Guterres, de parte a parte, até porque o secretário-geral da ONU tem vindo a ser duramente criticado pela alegada passividade em tomar medidas concretas para travar a guerra na Ucrânia — a ponto de, esta semana, mais de 200 antigos dirigentes das Nações Unidas lhe terem dirigido uma carta a clamar por proatividade.

Os signatários alertaram que, a menos que Guterres atue de forma mais pessoal para assumir a liderança na tentativa de mediar a paz na Ucrânia, as Nações Unidas arriscam não apenas a irrelevância, mas a sua existência. Os ex-funcionários, incluindo muitos ex-subsecretários da ONU, pediram que o atual secretário-geral se prepare para assumir riscos pessoais para garantir a paz, dizendo que as Nações Unidas enfrentam uma ameaça existencial devido à invasão da Ucrânia por um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança.

O problema é particularmente agudo dada a contínua impotência com que Guterres se tem visto para acabar com a guerra. Na passada terça-feira, por exemplo, pediu uma pausa humanitária de quatro dias na guerra na Ucrânia, por ocasião da Páscoa ortodoxa, visando a abertura de uma série de corredores humanitários em território ucraniano.

No entanto, não só os conflitos não cessaram, como se agravaram, e os corredores voltaram a falhar. De resto, o exército russo anunciou esta manhã que realizou 1.908 ataques com artilharia e mísseis. Um deles atingiu um bloco residencial em Odessa — o próximo alvo da Rússia para estabelecer o seu domínio na zona costeira da Ucrânia —, causando oito mortos.

Em Mariupol, apesar dos sucessivos pedidos para que a Rússia permitisse a saída dos civis sitiados na fábrica Azovstal e noutras zonas da cidade, os russos retomaram os ataques aéreos àquela siderúrgica. Segundo, Petro Andryushchenko, conselheiro do presidente da câmara, os ocupantes estão a “limpar” os escombros do teatro da cidade, que foi bombardeado por tropas russas, retirando os cadáveres. Os corpos estarão a ser embrulhados em sacos de plástico e levados em camiões e tratores para uma zona industrial e de lá para a cidade de Mangush, onde são despejados numa trincheira de 300 metros, afirmou este responsável numa mensagem publicada na rede social Telegram, citada pela agência noticiosa Unian.

Além de tudo isto, os combates mantêm-se ferozes nas zonas de Kharkiv, Lysychansk e Zolote, mantendo-se a pressão da Rússia sobre o Donbass.

Contabilizados os mortos e os tiros disparados, a conclusão mais óbvia é de que os apelos de Guterres caíram em ouvidos moucos uma vez mais. Ficamos então em dúvida se as visitas a Moscovo e Kiev servirão para mudar o estado de coisas.

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