É mau quando um dia nasce para se assinalar uma tragédia — é ainda pior quando são duas.

Primeiro, a esperada: duas décadas depois daquele fatídico 11 de setembro de 2001, relembramos hoje os ataques terroristas que abalaram o mundo, e mais especificamente a maior superpotência global.

No estertor da Guerra Fria, da qual saíram os EUA vitoriosos face à derrocada da União Soviética, o século XXI, em que alguns apregoaram trazer o “fim da história” com a estabilidade de uma nova ordem global, deu início a uma nova: a da “Guerra contra o Terror” e de novas e intermináveis intervenções no Médio Oriente (com todas as consequências que tal implicou, do Daesh ao recente regresso dos talibãs ao poder), mas também de um novo medo, de que o dito ocidente não mais viveria sem olhar por cima do ombro (como os ataques em Londres, Madrid e Paris, entre outros exemplos, o comprovariam).

Quatro aviões: dois que mandaram abaixo as Torres Gémeas, um que atingiu o até então inexpugnável Pentágono e outro que podia ter atingido a Casa Branca ou o Capitólio, mas que um grupo valente de passageiros fez despenhar num descampado na Pensilvânia. Ao todo, 2.977 mortos, uma nação em luto e o resto do globo ora em choque, ora com regozijo.

Para assinalar a data, foram várias as homenagens, mas a mais sentida sem dúvida terá sido no centro de Nova Iorque, o dito Ground Zero, onde a mortalidade foi maior. O Presidente norte-americano, Joe Biden, ladeado por vários dos seus antecessores, entre eles Barack Obama e Bill Clinton, cumpriu um minuto de silêncio. Foram ouvidos os nomes de todas as vítimas e os sinos tocaram para assinalar cada um dos trágicos acontecimentos do dia 11 de setembro.

Alguns recordam a data como se fosse ontem, outros ainda não eram nascidos e vieram ao mundo numa nova era. O jornalista que escreve este texto faz parte do primeiro grupo, ainda que, na altura, demasiado novo para conseguir processar as implicações do que aconteceu — um bocadinho mais que os cinco anos de Samantha, que foi forçada a coexistir com o terror. As décadas seguintes tratariam de retificá-lo, mas a verdade é que ainda hoje nenhum de nós consegue avaliar por completo as consequências.

Têm sido várias as tentativas, todavia. Da parte do SAPO24, tivemos uma conversa entre Simone Duarte — jornalista que, no fatídico dia, se encontrava em Nova Iorque e acabou a fazer o direto do horror pela TV Globo — e os “nossos” cronistas Francisco Sena Santos e José Couto Nogueira, cada um assinando um artigo para assinalar a efeméride.

Hoje, com os seus planeadores ora mortos, ora indefinidamente presos, à espera de julgamento, a ferida permanece aberta e os acontecimentos recentes no Afeganistão trataram de recordá-lo.

Mas, regressando ao início, este não foi o único infortúnio a assinalar este sábado. Jorge Sampaio perdeu ontem a vida depois de 82 anos, mas foi hoje que se celebrou a sua vida, com velório com honras de estado a percorrer Lisboa: da Câmara Municipal, que liderou entre 1990 e 1995, ao Picadeiro Real, junto ao Palácio de Belém, que ocupou enquanto Presidente da República de 1996 a 2006.

Estivemos no local, vimos o desfilar de figuras de Estado, personalidades públicas, figuras políticas e cidadãos comuns a dar o seu adeus a Sampaio. Uma frase destaca-se: “Jorge Sampaio, sempre”, dita por António Guterres, atual secretário-geral da ONU e “compagnon de route” de Sampaio há décadas, evocando o célebre “25 de Abril, sempre”, cunhado pelo ex-presidente.

À esquerda e à direita, praticamente todo o espectro político nacional foi prestar homenagem, o que não surpreende, dado o caráter consensual de Sampaio — mas a dar destaque, terá de ser para o bispo timorense Ximenes Belo, tendo viajado com a restante comitiva para agradecer o contributo de Jorge Sampaio para "a independência de Timor".

Foi apenas às 23:00 da noite que o Picadeiro Real fechou portas ao público, mas o cerimonial continua amanhã: pelas 11:00, Sampaio receberá uma homenagem nacional no Mosteiro dos Jerónimos, e o seu caixão partirá depois para o cemitério do Alto de São João.

Sendo as virtudes que teve em vida diametralmente opostas às motivações que levaram aos atentados que marcam o dia de hoje, numa coisa têm os dois em comum: jamais serão esquecidas.