A história não se repete, mas rima

António Moura dos Santos
António Moura dos Santos

Hoje, Portugal acordou com ares de abril no ar. Depois de meses onde o mote foi uma abertura progressiva para tornar a vida o mais normal possível dadas as circunstâncias de pandemia, o outono-inverno veio desabar o ténue equilíbrio que se vinha gerindo e tem obrigado à recuperação de medidas que preferíamos ter deixado no passado.

Desde esta sexta até à próxima terça-feira, terá de ter uma boa justificação para abandonar o seu concelho de residência. As exceções para fazê-lo não são tão poucas assim — desde a ida para o seu local de trabalho até à comparência a um espetáculo para o qual tenha bilhete, o rol pode ser consultado aqui — mas a ideia é fazer com que a generalidade da população faça o mínimo de contactos entre si para que haja redução de contágios.

Até à data, o governo tem a registar a compreensão da população quanto a esta medida, apesar de ter havido vários protestos. Um dos mais acirrados e cirúrgicos deu-se a nível político e partiu do Chega.

  • O executivo ripostou com uma exposição de 195 pontos, defendendo que a ação interposta pelo Chega "deve ser julgada integralmente improcedente" e que André Ventura não pode “agir ao abrigo do direito de ação popular” e não tem “direito de intervir judicialmente na defesa dos cidadãos”;
  • Entretanto, ainda não se soube de qualquer decisão da parte do Supremo Tribunal de Justiça, pelo que as proibições se mantém.

Este restringir da liberdade de circulação, de resto, afigurou-se como uma mais uma medida do Governo para impedir a escalada do número de infeções, mortes e internamentos — que hoje voltou a atingir novos recordes — sem que seja necessário regressar ao início da pandemia. O cerco, porém, aperta-se.

Ninguém sabe bem o que o futuro trará, sendo que a única certeza que se afigura neste momento é que é preciso fazer mais, sob risco da pandemia crescer para níveis descontrolados. Por isso é que o governo irá anunciar as tão temidas novas medidas de combate à Covid-19.

Antes, porém, António Costa recebeu individualmente representantes dos nove partidos com assento parlamentar, de forma a obter o seu parecer quanto ao curso a tomar e formar consenso sobre novas possíveis medidas de combate.

Desta forma, foi também possível levantar o véu quanto ao que o governo está a considerar, nomeadamente a possibilidade de aplicar medidas restritivas para combate à covid-19, incluindo o recolher obrigatório, em concelhos em que a taxa de incidência de contágios atinja 240 por cem mil habitantes, ou até um confinamento geral na primeira quinzena de dezembro para preservar o período de Natal.

Foi isto o que os partidos tiveram a dizer:

  • Do lado do PSD, Rui Rio afirmou que os sociais-democratas não vão passar “uma carta branca ao governo”, mas que também não vão criar obstáculos, considerando a atual fase “ainda mais grave”. Sugerindo que poderá viabilizar um novo estado de emergência, Rio frisou, porém, que “não pode ser da mesma forma que em março e abril”. O PSD irá ainda formalizar uma série de sugestões ao governo nos próximos dias;
  • Catarina Martins disse, em nome do BE, rejeitar para já o estado de emergência, sendo preferível procurar outros mecanismos. Um deles passa por colocar toda “a capacidade instalada da saúde” ao serviço do Ministério da Saúde, “privada e social, tanto na resposta à covid como não covid”, lembrando que a Lei de Bases da Saúde prevê a possibilidade de levantar uma requisição civil;
  • Da parte do PCP, Jerónimo de Sousa pediu para que o foco do Governo esteja na pedagogia e não em medidas securitárias como “o confinamento das pessoas, com toda a paralisação da atividade económica e do plano social”. O secretário-geral dos comunistas fez ainda saber que discorda avançar com uma requisição civil dos privados para a Saúde se isso significar minimizar o serviço público;
  • Os Verdes manifestam estar contra medidas do governo que possam atingir liberdades e garantias dos cidadãos, defendendo em contrapartida campanhas pedagógicas, o reforço dos transportes públicos e do Serviço Nacional de Saúde, Mariana Silva disse ainda que o seu partido afasta para já cenários de confinamento geral;
  • Foi pela Iniciativa Liberal que se soube da possibilidade das medidas restritivas a partir de determinada taxa de incidência, sendo que João Cotrim Figueiredo concedeu que “embora esse critério seja discutível, há pelo menos uma base empírica que parece ter sustentação". O deputado liberal, no entanto, afirmou-se contra um eventual recolher obrigatório em todo o país, considerando tal medida uma “limitação excessiva das liberdades individuais”;
  • Já da parte do PAN soube-se do potencial plano do Governo de decretar confinamento geral na primeira quinzena de dezembro, sendo que André Silva sublinhou que "essa medida não está certa e segura, mas que tudo dependerá daquilo que resultar da posição do Presidente da República [Marcelo Rebelo de Sousa] na medida que depende de uma declaração de estado de emergência";
  • O deputado do Chega, para além de dirigir críticas ao Governo pelas restrições de circulação acima mencionadas, disse ainda em relação à possibilidade de haver um novo confinamento geral que isso passará para a sociedade “a pior das mensagens” e que terá “consequências nefastas para Portugal”.

Consultados os partidos, as medidas sob análise não surpreendem mas fazem temer um futuro novamente menos livre. Será apenas amanhã, contudo, que saberemos o que nos espera.

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