Seis dias e muitos milhões em prejuízo depois, o Ever Given desencalhou e o Canal do Suez volta a ser navegável

António Moura dos Santos
António Moura dos Santos

Foi uma história que teve tanto de tragicómico como de preocupante. Parecia impensável que em 2021, numa era de grandes avanços tecnológicos, fosse possível que o encalhar de um barco pudesse atrair a atenção de milhões e afetar profundamente o comércio internacional ao mesmo tempo. Mas foi o que aconteceu.

Na passada terça-feira, o mundo acordou para a notícia de que o Ever Given, porta-contentores dotado de 400 metros de comprimento e com uma carga superior a 200 mil toneladas, tinha embatido numa das margens do Canal do Suez, ponto nevrálgico do comércio internacional por permitir a passagem navegável entre o Mar Vermelho e o Mar Mediterrâneo, ou seja, confluindo Europa, África e Ásia ao longo dos seus 193 quilómetros.

Dada a sua gigantesca dimensão, cedo se percebeu que não seria fácil retirá-lo do local onde se encontrava a bloquear esta via marítima. Mais: quando começaram a circular imagens de uma pequena escavadora a tentar lavrar o terreno onde a proa do navio se encontrava alojada, a Internet explodiu em escárnio e memes pela escassez de meios para retirar aquele “leviatã” das margens egípcias.

Seis dias depois, o enorme Ever Given, por fim, foi afastado com sucesso da margem. Foi necessário dragar 30 mil metros cúbicos de areia e mobilizar 13 navios-rebocadores para tal — e, mesmo assim, não havia certezas absolutas de que tal resultasse no espaço de uma semana: neste sábado, o presidente da Autoridade do Canal de Suez chegou a admitir não conseguir prever quando é que o porta-contentores seria retirado.

O tom hoje, porém, foi de triunfo. "Conseguimos libertá-lo!", comemorou através de comunicado a empresa proprietária da companhia encarregada do resgate do barco. Mas esta não é ainda altura para festejos, já que demorará perto de três dias e meio até que a navegação seja regularizada no canal.

Ou seja, mesmo sem ter o Ever Given a impedir a passagem, o calvário continuará para as muitas empresas que veem as suas mercadorias a tardar em chegar, sejam aquelas que as encomendaram, as que transportam ou as que expediram.

Para que se tenha noção do impacto, 425 navios aguardavam hoje a passagem pelo Canal, isto excluindo aquelas que não esperaram e optaram por dobrar o Cabo da Boa Esperança pela África do Sul, atrasando em vários dias a sua viagem e contabilizando perdas avultadas.

Passando 12 a 15% do comércio mundial pelo Canal do Suez, a lista de bens retidos com o incidente é interminável: desde petróleo e seus derivados, até chá, móveis do Ikea, muitos milhares de animais destinados ao setor agropecuário, conforme noticiou hoje o The Guardian. O valor total das mercadorias bloqueadas, ou que precisaram de optar por uma rota alternativa, é diferente consoante as estimativas, mas é sempre muito alto: de seis mil milhões de dólares (aproximadamente 5,1 mil milhões de euros) até 10 mil milhões de dólares (8,5 mil milhões de euros), de acordo com a seguradora Allianz.

Espera-se agora que as rotas voltem paulatinamente ao normal, mas para a tripulação do Ever Given, a história pode não acabar aqui. Apesar de o incidente ter sido atribuído num primeiro momento aos fortes ventos combinados com uma tempestade de areia, não foi ainda descartado que uma "falha humana" possa ter provocado o bloqueio.

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