Recorde aqui, ponto por ponto, o essencial do primeiro 'round' da discussão do OE na Assembleia da República
- A primeira palavra foi de António Costa para destacar que este “é um orçamento de continuidade e de progresso”. “Os quatro anos da anterior legislatura permitiram-nos reconstituir a confiança nas instituições e na economia portuguesa”, referiu ainda. "Não ficamos a marcar passo, nem mudamos de rumo. Com este Orçamento continuamos a avançar na melhoria de rendimentos e direitos, na qualidade dos serviços públicos, no reforço do investimento, na consolidação das finanças públicas", sustentou.
- Neste contexto, o líder do executivo defendeu mesmo que apresentou um Orçamento "que promove mais investimento, a qualidade dos serviços públicos, a melhoria dos rendimentos e uma cada vez maior justiça social e que nos permite prosseguir o caminho de equilíbrio orçamental e de redução da dívida".
- De acordo com o primeiro-ministro, "é nesta fase de crescimento económico que o país deve poupar os recursos de que pode vir a necessitar quando um novo ciclo económico exija uma política anti-cíclica".
Costa destacou a saúde como a principal prioridade deste OE. "Há mesmo mais vida para além do Orçamento. É por isso que a saúde é principal prioridade do Orçamento. Trata-se do maior reforço de sempre no orçamento inicial da Saúde e representa o começo de um novo ciclo para o Serviço Nacional de Saúde", disse. .“Para servir melhor as pessoas continuamos a investir no acesso aos cuidados de saúde, na motivação dos profissionais, na maior autonomia dos hospitais e na melhoria das instalações e equipamentos do sistema nacional de saúde”, complementou.
- "Este é mesmo o melhor dos cinco orçamentos que já tive oportunidade de apresentar". Costa voltou a frisar a ideia de continuidade, fazendo porém alusão a um novo ciclo. "É melhor porque é herdeiro e continuador dos quatro orçamentos da anterior legislatura, abrindo um novo ciclo para esta legislatura, menos conjuntural e mais estrutural", disse.
- Nesta fase do seu discurso, o primeiro-ministro falou mesmo num "triplo compromisso". Um triplo compromisso "com o aprofundamento do caminho seguido desde 2016; com os parceiros parlamentares que têm feito esse caminho e com quem agora se procederá, na fase da especialidade, ao trabalho que possa ainda melhorar a proposta do Governo; e com Portugal e com os portugueses". António Costa considerou então ser essencial "responder às necessidades do país em saúde, educação, habitação, transportes e mobilidade". "Mas também responder aos desafios da economia e da sociedade portuguesa, assegurando as contas certas, essenciais para a credibilidade internacional do país e a redução da sua dívida pública e do encargo anual com os juros", acrescentou.
- Rui Rio, presidente e líder parlamentar do PSD, foi o primeiro a intervir depois de António Costa. O socialdemocrata deixou algumas questões, criticou a falta de "rumo estratégico" da proposta, o "aumento da carga fiscal" e questionou o Governo sobre o endividamento externo do país “que é um dos condicionantes ao desenvolvimento”.
- Mas na intervenção de Rui Rio houve uma questão que se destacou: "É preciso perceber, não onde está o Wally, mas onde estão os 590 milhões de euros?", questionou. O número faz referência a uma “discrepância” apontada pela Unidade Técnica de Apoio ao Orçamento (UTAO) entre dois quadros do OE sobre o saldo em contabilidade pública.
- António Costa respondeu que a pergunta revelava mais a dificuldade do PSD do que a do Governo. “Num Orçamento do Estado onde o conjunto da despesa são 96.918 milhões de euros, a sua preocupação ser com 0,6 por cento desta despesa diz tudo sobre a dificuldade das críticas”, criticou, sem responder diretamente à pergunta.
- Seguiu-se Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS. Em resposta a Rui Rio disse que "o PSD continua em negação em relação ao que os portugueses escolheram no dia 6 de outubro". "Nós não estamos a olhar para o interior e para os nossos adversários dentro do partido, estamos a olhar para os portugueses e é por eles que estamos a discutir este orçamento", referiu em alusão ao processo eleitoral em curso no PSD para a escolha do novo líder. Em concreto, sobre este Orçamento, Ana Catarina Mendes mostrou-se confiante de que "este Orçamento do Estado é mais um passo significativo no caminho da convergência com a União Europeia".
- Catarina Martins, do BE, disse, na sua vez, ter sido um "erro" o Governo ter apresentado o OE antes de o negociar. "O partido socialista não tem maioria absoluta, o que tem é um mandato popular para procurar entendimentos", declarou. "Se hoje começa este debate sabendo que a sua proposta de Orçamento vai chegar à especialidade é porque aceitou ceder garantias mínimas para as quais o Bloco trabalhou", acrescentou. A líder do Bloco de Esquerda referiu ainda que este é um Orçamento de "mínimos", porque “o conjunto das medidas, que constam da proposta do Governo relativas a rendimentos”, como salários e pensões, “são insuficientes para responder por quem trabalha e trabalhou toda uma vida”.
- Já Jerónimo de Sousa criticou a "submissão do país às imposições da União Europeia, do euro e do grande capital". O líder comunista acrescentou que esta é uma "realidade incontornável e que não tinha de ser assim". "O país tem problemas graves aos quais tem de dar resposta, mas tem também os meios e recursos necessitámos para os resolver". Só que, crítica, "são consumidos pela banca e pelas parcerias público-privadas", em vez de serem canalizados para os serviços públicos, para o aumento dos salários e pensões e reforço do investimento público.
- Na resposta ao BE e PCP, o tom dos argumentos de António Costa foi bem diferente. Se aos primeiros o primeiro-ministro rejeitou responsabilidades na falha de acordo com o BE nas negociações do OE 2020 — "A culpa foi nossa? Podia retribuir que é sua. Se calhar foi de ambos" —, aos comunistas garantiu que "com a colaboração e emprenho do PCP tenho a certeza de que vamos conseguir melhorar a proposta".
- Cecília Meireles, do CDS, falou numa diferença "entre propaganda e realidade" e numa nova "Geringonça" para viabilizar o Orçamento, numa alusão à abstenção já declarada dos partidos de esquerda. “Agora o novo voto a favor é a abstenção”, atirou, assinalando que surpresa “só se for para os próprios, porque todo o país já tinha percebido que há muito que havia uma nova geringonça e que este orçamento ia ser viabilizado”. Na ótica de Cecília Meireles, “a baixa de impostos não é uma prioridade nem para o Governo nem para nenhum dos partidos que constitui esta nova geringonça” e os portugueses ficaram a saber isso precisamente porque “nenhum exigiu uma diminuição da carga fiscal ou sequer, no mínimo dos mínimos, uma manutenção da carga fiscal para viabilizar o orçamento”.
- André Silva, do PAN, considerou que esta proposta de "Orçamento vive de incoerências em relação às alterações climáticas". E vai mais longe, o deputado do Partido Animais e Natureza diz que este é um “Orçamento avestruz”. Isto é, “o Governo prefere esconder a cabeça debaixo da areia para não ter de encarar o complexo desafio de enfrentar de forma consequente os problemas do país”. André Silva criticou ainda a "omissão" em matéria de reformulação dos escalões de IRS, "uma medida que asseguraria mais justiça fiscal".
- Também o deputado d'Os Verdes, José Luís Ferreira, criticou as medidas em matéria de sustentabilidade ambiental. "Temos um Orçamento de um Estado que é laico, mas que neste caso parece valorizar mais as Jornadas Mundiais da Juventude [em matéria de deduções fiscais] que a promoção da utilização do transporte público ou o combate às alterações climáticas", disse. O partido do partido ecologista pediu ainda esclarecimentos sobre financiamento para o Novo Banco. “Esta linha de apoio fica concluída este ano ou não e vamos ter de arcar com ela até quando?”, questionou.
- André Ventura, do Chega, diz só haver uma palavra para classificar esta proposta de Orçamento: "é um mero programa". O deputado único do Chega questionou ainda o governo sobre cativações e sobre as competências do Tribunal de Contas: “É ou não verdade que este orçamento tira competências ao TC?".
- Em tom jocoso, João Cotrim Figueiredo, do Iniciativa Liberal, disse não querer ferir susceptibilidades, mas atacou o Orçamento em matéria de carga fiscal. "Vou ser cuidadoso quando falo deste Orçamento, o melhor Orçamento de sempre, o Nobel dos Orçamentos e não quero ferir susceptibilidades nem invocar a ira parlamentar lendária do senhor primeiro-ministro".
- O PS, ao contrário da Iniciativa Liberal, não quer "que o excedente orçamental fosse devolvido aos portugueses sob a forma de mais rendimento, que o crescimento pudesse ser superior e que a redução se fizesse da dívida pública pelo rácio sob o PIB que é o que verdadeiramente interessa, que seria muito mais rápido do que o cenário que o PS escolhe", criticou Cotrim Figueiredo. "Se acha que mais impostos produzem mais crescimento, acho bem avisarmos já os portugueses que isso vai acontecer, a começar por estes que estão aqui nas galerias, que nos próximos anos para crescer mais vamos ter mais impostos. Ou então não", disse, em tom de pergunta. Na resposta, António Costa assumiu que tinha "uma enorme vontade de dizer: então não", garantindo que não vai haver aumento desses impostos.
- Por fim, nesta primeira ronda de questões dos partidos, Joacine Katar Moreira, do Livre, trouxe o tema do salário mínimo para a discussão. “Senhor primeiro-ministro, este não é minimamente um Orçamento do Estado de um partido oficialmente de esquerda, com uma ótica de esquerda, mas especialmente com objetivos de uma governação à esquerda", afirmou a deputada.
- Da segunda ronda de pedidos de esclarecimento, destaque para do deputado do PSD Duarte Pacheco que acusou o primeiro-ministro de apresentar um "país imaginário": o "Costolândia ou Centenolândia". E não ficou sem resposta de António Costa que disse que "não deixaremos este país ir rio abaixo". "Nós não fingimos que os problemas não existem, não temos a visão do país como um oásis, não temos a visão do país com uns olhos cor de rosa, temos a visão de um país que tem problemas e a nossa função é resolver esses problemas", acrescentou o primeiro-ministro.
O debate decorreu depois, mais uma hora e meia, com pedidos de esclarecimento de deputados dos vários partidos e com vários membros do Governo, mas já sem o primeiro-ministro.
Contra ou abstendo-se, não faltam críticas da oposição ao OE
Com os votos favoráveis dos 108 deputados PS e as já anunciadas abstenções do PCP (dez deputados), do PAN (quatro), PEV (dois deputados) e do BE (19 deputados) a proposta orçamental do Governo será aprovada na generalidade, caso não se haja surpresas até ao momento da votação, esta sexta-feira.
Mesmo anunciado que se abstêm, permitindo a viabilização do orçamento, estas forças partidárias não deixaram de criticar o documento e remeter a sua posição final para a fase da especialidade:
- De acordo com João Oliveira, o que será "decisivo para o PCP é a proposta de Orçamento conter ou não respostas (em maior ou menor grau) aos problemas que o país enfrenta", e a questão do excedente orçamental "é uma opção de critério mais geral que o Governo faz e em relação à qual o PCP discorda".
- A líder parlamentar do PAN, Inês Sousa Real, deixou claro que o orçamento "está muito aquém" e por isso o partido não pode votar favoravelmente. Assim, o PAN vai abster-se e espera depois pelo debate na especialidade para decidir o seu voto no final do processo orçamental, avisando que "está tudo em aberto" e deixando um alerta ao Governo de que "terá que ser mais ambicioso".
- Em conferência de imprensa, na Assembleia da República, o deputado José Luís Ferreira afirmou que o PEV decidiu "abster-se na generalidade dando assim uma oportunidade ao PS para refletir e poder perceber as necessidades reais do país e dos portugueses". Esta abstenção em fase de generalidade "em nada compromete ou condiciona o sentido de voto em votação final global", acrescentou José Luís Ferreira, tendo ao seu lado a deputada do PEV Mariana Silva.
- Catarina Martins, coordenadora do BE, justifica o voto contrário ao dos últimos quatro anos dizendo que o OE2020 “não reflete medidas propostas feitas pelo Bloco de Esquerda”. Na especialidade, avisou Catarina Martins, "o Bloco de Esquerda não abdica de apresentar as suas propostas para as mais diversas áreas e que não foram objeto desta negociação" e avisou que "será o que ocorrer na especialidade que irá determinar a votação final global do BE no orçamento", deixando tudo em aberto para a votação final global.
PSD, CDS-PP, Chega e Iniciativa Liberal anunciaram já o voto contra à proposta orçamental.
- “O Chega deseja anunciar que votará contra o Orçamento do Estado”, afirmou o deputado e líder do partido em conferência de imprensa na Assembleia da República, justificando que a proposta apresentada pelo Governo é “essencialmente irrealista”. “Independentemente da sua aprovação e de quem seja responsável pela sua aprovação neste momento não venha daqui a uns meses ou daqui a uns anos dizer que nada teve a ver com este Orçamento do Estado. Quem aprovar este Orçamento do Estado será cúmplice daquela que será provavelmente uma das mais graves, maiores e mais intensas crises financeiras que se aproximam de Portugal e da Europa”, alertou.
- "Naturalmente, a minha proposta é que PSD vote na generalidade contra o Orçamento do Estado", disse Rui Rio no final das jornadas parlamentares do PSD, que se realizaram esta terça-feira na Assembleia da República.
- A deputada Cecília Meireles respondia a perguntas dos jornalistas nos Passos Perdidos do parlamento, após o OE2020 ter sido entregue. "Naturalmente, haverá pequenas medidas positivas. Agora, naquilo que é o desenho do modelo de desenvolvimento de um país, este caminho é exatamente o contrário do que o CDS tem proposto. Não há surpresa nenhuma nesta matéria. Este é um orçamento de continuidade face ao passado e o CDS sempre foi contra este caminho. Para já, daquilo que temos visto, naturalmente, sim [o voto será contra]", disse.
PSD Madeira, a grande dúvida
O PSD/Madeira anunciou no início desta semana que o seu sentido de voto à proposta de Orçamento do Estado para 2020 na generalidade se mantém em aberto até à data da votação e depende da concretização de duas reivindicações.
"Será decido [o sentido do voto] conforme as matérias que faltam ainda decidir pelo senhor primeiro-ministro. E é isso que vamos decidir até sexta-feira, até ao momento da votação", disse o secretário-geral do partido no arquipélago, José Prada, após a reunião da Comissão Política regional.
José Prada explicou que em causa estão os dossiês da mobilidade aérea e marítima, sendo que o PSD/Madeira pretende que o executivo nacional, liderado pelo socialista António Costa, assuma os custos da operação ‘ferry’ de transporte marítimo de passageiros, bem como a revisão do subsídio às viagens aéreas, de modo a que residentes e estudantes paguem apenas 85 e 66 euros, respetivamente, por cada bilhete de ida e volta.
"O PSD/Madeira não se importa de fazer a diferença. Importa o melhor para a Madeira e para os madeirenses, e é isso que se fará sempre", realçou José Prada, sublinhando que o sentido de voto dos três deputados eleitos pelo círculo da Madeira na Assembleia da República terá em conta "todas as matérias" relacionadas com a região.
O que se segue?
O ministro das Finanças, Mário Centeno, fará a abertura do segundo e último dia do debate na generalidade, na sexta-feira, ficando a intervenção de fundo do executivo a cargo do titular da Economia e número dois do Governo, Pedro Siza Vieira, segundo disse à Lusa fonte da Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares.
A votação na generalidade da proposta do Governo de Orçamento do Estado está marcada amanhã, 10 de janeiro.
O processo de especialidade decorre entre 13 e 27 de janeiro, sendo este último dia o prazo limite para os partidos entregarem as suas propostas de alteração ao documento.
Durante este período, decorrem no parlamento as reuniões conjuntas entre a Comissão de Orçamento e Finanças e as comissões competentes para audição dos ministros com as várias tutelas para apreciação, na especialidade, dos respetivos orçamentos.
Terminado este período e finda a entrega das propostas pelos partidos, há depois um período para elaboração dos guiões para o debate na especialidade, no plenário, e respetivas votações, na comissão, também na especialidade, que vão decorrer entre os dias 3, 4 e 5 de fevereiro.
No dia 6 de fevereiro é feito o encerramento e votação final global do OE2020.
O que está em causa?
A proposta de OE2020 prevê o primeiro excedente orçamental da democracia (0,2% do Produto Interno Bruto) e ainda um saldo estrutural nulo, cumprindo a regra europeia do saldo orçamental.
Além destas previsões, o Governo espera também cumprir as regras europeias quanto à redução da dívida pública, ou seja, “uma diminuição anual de pelo menos um vigésimo, numa média de três anos, do montante que excede o limite de 60% do PIB”, sendo o valor máximo do rácio de dívida pública permitido em 2020 de 116,2% do PIB, precisamente o valor estimado pelo Governo.
Na proposta orçamental, o executivo liderado por António Costa reduziu para 1,9% a previsão do crescimento do PIB, uma décima abaixo do estimado anteriormente, e contabilizou em 600 milhões de euros o montante para a recapitalização do Novo Banco, via Fundo de Resolução.
Na segunda-feira, perante o grupo parlamentar socialista, António Costa apresentou o orçamento "de continuidade", advertindo que o partido não andará "à deriva" e pedindo "que ninguém se equivoque sobre o significado político das últimas eleições legislativas".
"O país disse que apreciou e validou politicamente a solução encontrada na anterior legislatura, dando agora mais força ao PS. Esta não vai ser uma legislatura onde o PS anda à deriva ou à procura de uma carochinha", declarou, recebendo palmas dos deputados do PS e afastando cenários de acordos orçamentais com as forças à direita dos socialistas.
Costa frisou ainda que "o PS sabe bem qual o seu campo e qual a sua linha de atuação". "Sabemos quais são os nossos parceiros e os nossos adversários. Há dois polos na vida política portuguesa. E o PS lidera um desses polos. É por aí que vamos", vincou, afirmando ainda que no seu quinto orçamento "já não se trata de reposição de rendimentos, mas de acrescentar rendimentos".
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